30.9.05

MUDAR DE ENXADA PARA CONTINUAR O PLANTIO

"Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!" A lembrança sofrida do poeta Drummond não vem por acaso: o Partido dos Trabalhadores é nossa "cidade natal". Quando dela se parte o coração fica partido. A alma nublada. É com este sentimento de profunda tristeza que decido, após muita consulta e reflexão - que envolveram diretamente cerca de mil pessoas -, deixar o PT.
Nele aprendi, desde 1987, lições de boa prática política, de coletivismo, de ousadia, de jamais perder o horizonte utópico e o objetivo estratégico do socialismo com democracia. Sob sua legenda, com orgulho de "eterno aprendiz", exerci dois mandatos de vereador do Rio e um de deputado estadual, além de disputar, em memorável esforço da militância, já sem apoio da maioria da direção nacional, a Prefeitura da nossa cidade. O PT construiu uma bela pedagogia da aproximação dos movimentos sociais com a inserção nos espaços institucionais. Ele foi a síntese de um alentado movimento de massas nos anos 70 e 80, que se capilarizou nos sindicatos combativos, nas associações de vizinhos, nas comunidades eclesiais de base e entidades nacionais como a CUT, o MST e a então renascida UNE.
Hoje, porém, o PT reiteradamente nega as lições que nos legou, e, para nossa angústia, perde ossatura, alma, aura. Agigantado nas máquinas do poder, cada vez mais acomodado a elas, acriticamente, deixa de ser um partido da transformação social. Justamente quando enfrenta o maior desafio de sua história, o de ser governo da República, o PT se enreda num vendaval de contradições, ambigüidades, perda de referências e esquecimento de princípios: pratica políticas que se chocam com seu programa, implementa medidas que nunca proclamou em campanha, faz alianças - como é imperativo na política - sem estabelecer fronteiras éticas, por mero pragmatismo. Deixa-nos sem discurso e sem ânimo.
O PT vai reproduzindo, organicamente, um grupo dirigente que Chico de Oliveira define como uma "nova classe": capitalista moderada, formada por ex-dirigentes sindicais e profissionais da política que, a partir dos fundos de pensão, das instituições financeiras e dos aparelhos do Estado, transformam-se em gestores do mercado e mediadores das tensões políticas em favor da institucionalidade conservadora.
Respeitando muito aqueles que insistem em lá persistir e resistir, perseguindo sua refundação ou reestruturação, chegou, para nós, a hora da decisão: o chamado Campo Majoritário continuará, com seus aliados, tendo maioria no Diretório Nacional (51%, sem contar o Movimento PT!), e isto significará a manutenção dos atuais procedimentos, no essencial. Não se faz sequer auto-crítica, não haverá investigação séria e punição dura para quem implementou as práticas escusas que hoje vêm à tona.
A estrela cadente do PT continua emitindo alguma luz, cada vez mais tênue, mas tudo indica que esta energia, na sua fonte, já se extinguiu. A tendência é que o PT se torne uma sigla razoável de voto, bom emblema eleitoral, mas "peemedebizado": sem rigor ético, compromisso com o trabalho de base e mística socialista. Um partido cada vez mais semelhante aos partidos convencionais. Um marco histórico na esquerda brasileira que não soube, no governo central, democratizar radicalmente as relações de poder e manter seus princípios. Um partido que desconstitui, no imaginário popular, a política como protagonismo cidadão que melhora a vida das pessoas.

"Seu navio carregado de ideais, que foram escorrendo feito grãos". É esta a sensação, cantada por Edu Lobo e Chico Buarque há duas décadas, que o governo Lula nos provoca. Sua análise comparativa não deve ser feita com a mediocridade privatista da década Collor/FHC mas com o programa mudancista apresentado em 2002, que conquistou a adesão de mais de 52 milhões de brasileiros. O falacioso "caminho único" do neoliberalismo prosseguiu. O governo não mudou a política econômica, ao contrário: reforçou sua ortodoxia e estabeleceu o superávit primário, que hoje esteriliza R$ 80 bilhões/ano. O pagamento (jamais renegociado) de juros das dívidas financeiras corresponde, no Orçamento da União, em um mês, ao gasto anual com o SUS, e, em quinze dias, ao dispêndio anual com Educação! O Brasil, com a maior taxa de juros do planeta, continua sendo o paraíso dos banqueiros, dos especuladores, das 15 mil famílias rentistas. Para cada real destinado ao Bolsa-Família, R$ 15 vão para o pagamento de serviços da dívida.
O governo Lula não logrou, por isso, firmar políticas estruturantes e reformistas na educação, no meio ambiente, na saúde, na habitação, na cultura, no desenvolvimento agrário e mesmo na assistência social, a despeito das valorosas equipes ministeriais que lá estiveram ou estão. Há um dique de contenção instalado na Fazenda, no Planejamento e no Banco Central que impõe um viés conservador e continuísta ao governo, jogando fora, para nosso desespero, uma oportunidade histórica.
Como diz Emir Sader, que é do aguerrido time que ainda batalhará no PT, "o governo fracassa não porque tenha colocado em prática o programa da esquerda, mas porque seguiu o caminho de menor resistência, de ceder à política econômica herdada, acreditando que com ela ganharia o apoio do empresariado, colocando em prática o programa econômico da direita. Ganhou, mas perdeu seu diferencial - o apoio popular. Se vê hoje cercado pelos seus inimigos de sempre, sem poder contar com seus aliados de sempre - os movimentos sociais, a militância do PT, a esquerda" (JB, 28/8/05).
No plano parlamentar, ser deputado do PT transformou-se numa via crucis: ausência quase total de debate político, nenhum diálogo com o Executivo, que só quer subordinação e imposição vertical em todas as questões. Por fim, no caso Valério/Delúbio e seus superiores, veio a quebra de confiança, pois operou-se um poderoso esquema financeiro paralelo, e com paraíso fiscal (nosso inferno !). Isto foi negado por executores e beneficiários até o último momento.
Em todas as votações e decisões importantes foi exigida da Bancada uma postura contrária ao que histórica e programaticamente sempre afirmamos: reforma da Previdência, lei dos transgênicos, lei de falências, parceria público-privada, status de ministro ao presidente do Banco Central, recomposição do salário mínimo, apoio a CPIs, livre escolha de candidato à presidência da Casa. Bancada acocorada, desrespeitada!
A chamada "base aliada" cristalizou-se com partidos e lideranças de tradição fisiológica, que operam na pequena política, e cobram cada vez mais por um apoio sempre frágil, vez que nunca cimentado no interesse público ou com amálgama ideológico. Contrariados, estes "parceiros" são os primeiros a denunciar esquemas que, para o velho e bom PT, sempre foram condenáveis. Mas quem reage a isso e cobra coerência é marginalizado, punido, acusado de "aliar-se à direita", como se direitistas e espúrias não fossem essas práticas chocantes.
Os dirigentes desta política anti-PT e nada progressista, ao proclamar sua votação "fantástica, surpreendente, muito boa mesmo" nas eleições internas recém-realizadas, ainda dizem que "o militante entendeu que a crise não é do PT mas de todo o sistema político" (O Globo, 25/9/05). Sistema político que o governo não quis modificar, engavetando a reforma por exigência de seus parceiros reacionários - com quem muitos petistas sob investigação, e sequer submetidos a comissão de ética interna, mantém estreitas relações. Para quem sempre ostentou com orgulho a estrela no peito, quanta frustração!

"Ah, recomeçar, recomeçar, como canções e epidemias, ah, recomeçar como a lua, como as colheitas e a covardia, ah, recomeçar como a paixão e o fogo, o fogo..." O toque de partida de Aldir Blanc e João Bosco ecoa em nós como aviso de que nem tudo está perdido. Perene reinício. Nesta conjuntura, a direita se reaglutina, empolgada para voltar ao governo nacional, ciente do poder econômico e midiático que nunca deixou de ter. A direita se constitui inclusive como padrão de moral pública: hipocrisia consentida, onda reacionária, que temos a obrigação de barrar! A esquerda, desmoralizada, com as cartas embaralhadas pelo governo Lula, sobrevive como aposta perdida, entrando em nova diáspora. Os movimentos sociais, combalidos, seguem na luta... e na perplexidade. Estamos amargando uma perda histórica, mas a mesma história, com sua dialética, ensina que não há derrotas definitivas.
É hora de aprender com o grande Apolônio de Carvalho: nunca perder a visão estratégica e manter, mesmo em tempos de desencanto, um otimismo visceral. O desafio é reconstruir uma unidade mínima para a esquerda, resignificar o ideário da igualdade social com um movimento pelo socialismo, forjar uma ampla frente antineoliberal. Este esforço de recomposição só prosperará se baseado num projeto para o Brasil, largamente debatido pelas forças da esquerda democrática. Ele deve incorporar propostas de reestruturação radical do Estado brasileiro, soberania nacional e novo padrão de desenvolvimento econômico e social, auto-sustentável e distribuidor de riqueza e renda. Ele pode aproveitar, sem dúvida, entre outras contribuições, muito do que foi produzido no Encontro do PT de dezembro de 2001, no qual foram forjadas as diretrizes para um programa democrático e popular de governo, hoje abandonadas. Ele partirá do entendimento de que a força social de mudança está na luta popular organizada, na reafirmação de que os meios são os fins, em processo de realização. Tudo isto lastreado na humildade de quem se sabe enfraquecido: sem arrogância, hegemonismos, sectarismos.
Para quem está inserido nos espaços institucionais, importantes instrumentos na democracia formal brasileira, a vinculação a partido político é uma necessidade. É, como disse um lavrador de assentamento, "a enxada para a lavoura, que só serve com lâmina afiada". Mas, além de cumprir prazos e normas cartoriais da lei eleitoral, a opção a ser feita deve tentar responder à questão sobre qual a melhor ferramenta para ajudar no esforço coletivo e plural para se reconstruir as referências estratégicas para a esquerda, para uma outra sociedade, fraterna, possível.
Sem a pretensão de entender este caminho como único correto, ousamos apostar no recém-criado - com o aval de 430 mil eleitores de todo o Brasil - Partido Socialismo e Liberdade, o PSOL. Ainda pouco conhecido, o PSOL é projeto em construção, propositivo, ideológico, e (talvez por isso) sem grande visibilidade midiática na sociedade de massas e na teledemocracia em que vivemos. Trata-se, portanto, de disposição para moer no áspero e praticamente começar tudo de novo, sem ilusões de que a história se repita. Cientes das imensas dificuldades eleitorais, inclusive - o que tira a razão de quem, equivocadamente, possa ver algum "oportunismo" nessa escolha.
Entendemos que o PSOL não deve ceder à tentação fácil do "contrismo", de crescer por oposição e contraponto ao PT, de onde vieram seus principais quadros e sua entusiasmada militância. O partido, em fase de constituição, deve buscar filiações de quem, com generosidade, acredite sobretudo na organização popular e na elevação do nível de consciência política de nossa gente, hoje tão desiludida. Não pode se contentar com a presença em atos de rua, com justas reivindicações e muitas bandeiras (aquelas que o PT deixou de levar, há anos...): o trabalho político de tecer a rede dos lutadores do povo é o mais importante.
O PSOL, aprendendo com os erros do PT, livre de toda soberba, não deve pretender, nesta hora crítica, ser referência única, centro e pólo, mas tijolo na construção comum, que, depois do terremoto, se inicia. Saber aliar-se, sem sacrificar princípios. Saber ter flexibilidade tática e firmeza estratégica.

"Fazer da interrupção um caminho novo, da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte, da procura um encontro". Temos, como queria Fernando Sabino, um encontro marcado com a troca de idéias sobre a crise, com o resgate da política do bem comum, com a capacidade de compor, discernindo aliados de inimigos políticos, e estes de adversários, e também inimigos principais de inimigos secundários.
São penosas estas encruzilhadas da história, mas elas não começaram agora. O "breve século XX" pontua a trajetória da esquerda mundial com estes ensaios e erros, poucas conquistas e muitas derrotas, que merecem reflexão atenta. E impuseram escolhas, sempre dramáticas, sempre geradoras de perdas, sempre demandando despojamento e renúncias. Não partimos do zero, como um Sísifo que viu a pedra rolar morro abaixo e necessita começar tudo de novo. Não! É também nossa a herança da democracia direta, do orçamento participativo, do "modo petista" de legislar e governar, com transparência e controle social. Não deixaremos num imaginário museu das lutas populares as experiências de partido-pedagógico e partido-movimento. É da esquerda brasileira a rica experiência do partido de Paulo Freire e Florestan Fernandes, que se reinventava na pluralidade das expressões constitutivas da identidade de um povo que não aceita a "ninguendade" e a pré-cidadania a que as elites aristocráticas e racistas tentam lhe condenar.
Aos que não seguirão conosco, nosso respeito e compreensão, torcendo sinceramente para que consigam realizar o que, após tantas tentativas, já não acreditamos mais ser possível: fazer o PT voltar a ser PT. Esperamos deles também a grandeza do entendimento do nosso gesto, definido não sem profunda inquietação e superação de dilacerantes dúvidas.
Só a história dirá, mais à frente, quem tem razão. Por isso, ninguém deve ter a pretensão de qualquer orgulhoso "eu não disse?". Entendemos, inclusive, que os que estão livres da camisa de força do prazo eleitoral, sem perspectivas de candidatura em 2006, devem concluir o ciclo do PED, votando para a esquerda, minoritária, ter mais um voto e uma potente voz no Diretório Nacional, ponte para a reinserção do partido no campo da democracia socialista.
Estes tempos paradoxais da gestão Lula nos levam ao avesso do avesso na cultura partidária que engendramos: para ser petista de verdade, é preciso sair do PT...
Carlos Drummond, que versejou nossa profunda dor, também alimenta nossa teimosa esperança:


"Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas."

27.9.05

Por que não mais PT?

No atual Partido dos Trabalhadores, a minoria está reduzida à inglória tarefa de legitimar as decisões da cúpula

PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO

Tenho, diante de mim, o recorte amarelecido do artigo que publiquei na página 3 da Folha de S. Paulo, no dia 22 de maio de 1981, com o título: "Por que PT".
Alinhei nesse artigo as razões da minha opção por esse partido: um programa de construção do socialismo democrático; preponderância de gente do povo entre os seus fundadores; subordinação da cúpula partidária às decisões dos núcleos de base.
Após 24 anos e quatro meses de militância, sou obrigado a reconhecer que esses não são mais os traços do PT. O socialismo tornou-se mera referência retórica; a consulta às bases, uma ficção; e, a cada renovação dos quadros dirigentes, menos gente do povo é eleita para os postos de comando.

O pior, porém, veio com a vitória de 2002. Apesar das negativas dos atuais dirigentes, a verdade é que o partido se rendeu ao neoliberalismo. Não foi, como se alega, uma tática de transição. Lula e a cúpula petista convenceram-se de que a receita neoliberal de estabilidade do mercado a qualquer custo, de abertura comercial, de terceirização e de privilégios aos investidores estrangeiros é o melhor que se pode fazer para o Brasil.
Os interesses concretos do povo tiveram de ceder às exigências do capital. Nestes dois anos e meio, o assistencialismo substituiu a luta contra a desigualdade, e o governo procurou frear a combatividade dos movimentos populares.
Nesse contexto de crise moral e política, as eleições para a renovação das direções assumiram importância estratégica, pois a indignação dos autênticos petistas abriu a chance de derrotar a até então imbatível máquina eleitoral montada pela oligarquia que dirige o partido há dez anos. Por isso, aceitei o convite para disputar a presidência do PT.
Deixei claro, porém, a esses companheiros e aos que assistiram aos debates entre os candidatos, que a eleição seria um teste sobre a possibilidade de recuperação da legenda não pelo resultado da votação, mas pela forma como o processo eleitoral se desenvolveria.
O resultado foi desanimador: em vários Estados, houve transporte em massa de eleitores e a quitação de contribuições atrasadas (requisito indispensável para votar) pelos cabos eleitorais do candidato da situação e de dois candidatos que se proclamavam de oposição. O peso desses eleitores de cabresto, que, no melhor estilo da política de clientela, votaram sem saber em quem, foi decisivo para o resultado da eleição.
Essa é uma realidade que não pode deixar de ser considerada pelos socialistas que integram o PT. Eles existem e são muitos. Quarenta mil honraram-me com seu voto e outros tantos podem ser encontrados entre os que, conscientemente, preferiram outros candidatos. Mas o total não foi suficiente para derrotar a situação.
Se nem a trágica crise que se abateu sobre o partido e seu governo, nem a evidente divisão da cúpula dirigente, nem a denúncia dos oposicionistas e nem a vigilância exercida pela imprensa foram suficientes para romper a blindagem que assegura a perpetuação do chamado Campo Majoritário (conjunto de correntes que compõem a direção) no comando da legenda, é preciso convir que o PT não mais oferece a possibilidade de que a minoria possa se tornar maioria, como é da essência do regime democrático. No atual PT, a minoria está reduzida à inglória tarefa de legitimar as decisões da cúpula.
Todas essas razões levaram-me à decisão de deixar o PT. Bem sei que não se trata de uma decisão aceita por parte das pessoas que me acompanharam na disputa do PED. Compreendo essa atitude e respeito esses companheiros e essas companheiras com quem quero continuar dialogando. Mas estou convencido de não ter outra alternativa para dar conseqüência a uma opção socialista feita no longínquo ano de 1961 e que mantive até hoje.
As circunstâncias concretas da conjuntura impedem a reunião de todos os socialistas autênticos em uma única organização política neste momento. Não será, contudo, por longo tempo. Logo a existência da unidade se imporá, até como condição da presença da proposta socialista na agenda política do país. Por isso, surgiu, simultaneamente, em diversas vertentes, a idéia de realizar, com todos os núcleos da diáspora socialista, uma reflexão exaustiva sobre os novos caminhos que o socialismo precisa trilhar em uma sociedade que sofreu profundas mudanças nestas últimas duas décadas. Pretendo dedicar a esse diálogo o melhor dos meus esforços.
Para não nos rendermos à imposição de uma legislação eleitoral espúria, vários companheiros, entre os quais me incluo, estão aceitando generoso oferecimento de filiação ao PSOL. Esse partido ainda não estabeleceu, em definitivo, seu programa e sua estratégia, a fim de nos dar tempo para uma reflexão mais cuidadosa.Essa abertura é importante e dá condições para propor um diálogo político bastante aberto entre nós, os socialistas, hoje dispersos em vários partidos e movimentos populares.
Troco de instrumento para não abandonar tarefa. Pretendo continuá-la com a mesma fé e a mesma garra.



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Plínio de Arruda Sampaio, 75, advogado, é presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária). Foi deputado federal pelo PT-SP (1985-91) e consultor da FAO (Organização da ONU para a Agricultura e a Alimentação).

19.9.05

Articulação

Quem não entende o tamanho das brigas internas do PT pode até não acreditar, mas essa me parece a explicação mais plausível para algo tão inesperado. O presidente Lula não votou em Ricardo Berzoini para favorecer a candidatura de Valter Pomar, nas eleições internas do Partido.

Os dois candidatos são oriundos da Articulação, que viria a se dividir em duas correntes diferentes o Campo Majoritário (que é uma extensão da Articulação Unidade e Luta) e a Articulação de Esquerda.

Ou seja, ambos têm anos e anos de convivência com o presidente da República. Após o racha, Ricardo Berzoini continuou na elite do grupo de Lula e Valter Pomar, apesar de estar na outra corrente, foi eleito vice-presidente do Partido.

Nenhum dos dois parece realmente causar calafrios em Lula.

É a explicação mais plausível para que o prefeito do Recife tenha resolvido mudar de opinião e apoiar Valter Pomar e Carlos Padilha. Traindo seu super-secretário e homem de confiança que contava com o seu voto, Dílson Peixoto. Ele já sabia da posição de Lula.

O presidente da República não vai precisar declarar voto para Valter Pomar no Segundo Turno. No máximo, pode dar alguma declaração dizendo que ambos têm condições de fazer um bom trabalho.

Mas, conquistando alguns apoios como o do prefeito do Recife, espera ter garantido a derrota da candidatura de Plínio de Arruda Sampaio. O deputado constituinte que, com seus cabelos brancos, vem fazendo a cabeça da juventude petista.

É que a vitória de Plínio poderia realmente abalar os alicerces criados pelo presidente Lula, José Dirceu e Companhia Limitada.

O ideal para Lula talvez seja mesmo a vitória de Pomar. Pois assim, o Partido dos Trabalhadores poderia tentar realmente vender a imagem de uma reconstrução. Mas para bom entendedor uma palavra basta.

Articulação.

Outro Brasil

Novo blog do deputado federal Paulo Rubem Santiago: www.outrobrasil.zip.net. Ainda está meio feinho, mas tem um monte de coisas para se ler.

8.9.05

Por que choram os petistas?

?Opaco é o fim do mundo pra qualquer navegador/ que perde o oriente e entra em espirais/ e topa pela frente um contingente que ele já deixou pra trás?. O alerta, poético e profético, foi dado por Chico Buarque e Edu Lobo há exatos 20 anos, quando compuseram ?Meia Noite?, uma canção para a peça ?O Corsário do Rei?, de Augusto Boal.

Furtadas as bússolas éticas e programáticas, em pleno alto mar da crise, a sensação de muitos deputados federais do PT, naquele 11 de agosto, foi de meia noite em nossas vidas. O pranto sentido de tantos, com lágrimas derramadas em cena aberta, era uma síntese líquida de decepção, vergonha e indignação.

Plenário de parlamento é lugar de racionalidades, representações ? algumas bem teatrais ? e certa dose de hipocrisia. Ali, a couraça da persona política que cada um veste não comporta fragilidades emocionais. No entanto, não deu para segurar. As lágrimas públicas já tinham sido derramadas em particular, quando nos reunimos para avaliar as revelações de Duda Mendonça, especialista na arte de erguer e também desconstruir imaginários. Toda maquiagem tem um preço, lembra o marqueteiro, mas nós não sabíamos que a embalagem eleitoral dos generosos anseios de mudança que mais de 52 milhões de brasileiros concretizaram em voto seria paga com trapaças, doleiros e paraíso fiscal. Ali completou-se nosso inferno real!

Ninguém chorou por seus mandatos, por um efêmero status de deputado. Naquele momento de catarse não prevista, choramos o roubo do sonho coletivo (bem modesto, convenhamos) de um país menos desigual, com instituições públicas mais transparentes e protagonismo popular. Choramos a constatação, que teimamos em querer ver desmentida por gestos futuros, de que, no poder, as pessoas não mudam: se revelam. Choramos a força do dinheiro, que vende aspirações justas e pode dar às estrelas um brilho de aluguel. Choramos, sobretudo, a dilapidação do patrimônio ético-político construído por tantos, de Henfil e Helio Pellegrino a Carlito Maia e irmã Dorothy, passando por Chico Mendes e Florestan Fernandes. E sobretudo por milhares de brasileiras famílias Silvas, que aprenderam com o PT que ?reclamando junto melhora?, que ?a luta faz a lei? e que ?direito não exercido é direito perdido?. Choramos, com raiva, a quebra de confiança e a rendição a um pragmatismo que é repetição de tudo o que sempre condenamos.

Mais do que pelo PT e pelo governo, que já se distanciara de nós com suas alianças fisiológicas e sua ultra-ortodoxia econômica, choramos pela derrota da esquerda como alternativa política para este país: num momento de triste emoção, o tempo se condensa e o lamento por um presente que desconstitui o épico passado, de Zumbi a Olga Benário, alcança o escuro do futuro. Choramos por não nos consolar dizer, convictos, que os malfeitos não o foram em nosso nome. As celebrações de dois anos e meio atrás, quando anunciávamos ?o governo de nossas vidas?, deram lugar a um vendaval de perguntas sem respostas, e à vergonha perante as novas gerações, na dúvida cada vez menos duvidosa: fracassamos?

Passado aquele sincero e inusitado desabafo, agarramo-nos à compreensão que afaga: choramos para ter a visão mais límpida e entender que é assim mesmo que se processa a história humana, com forças sociais contraditórias, entre avanços e recuos, fidelidades e traições, emperramentos e superações. E o canto de Chico e Edu, de novo, explica a dor coletiva: ?os soluços dobram tão iguais/ seus rivais, seus irmãos/ seu navio carregado de ideais/ que foram escorrendo feito grãos/ as estrelas que não voltam nunca mais/ e o oceano pra lavar as mãos...?

TEXTO DO DEPUTADO CHICO ALENCAR, PUBLICADO PELO ESTADO DE SÂO PAULO.