23.4.12

Poder público e Paul McCartney

Sim. Eu fui. E  vou continuar criticando o projeto apresentado para o Cais José Estelita, mesmo sabendo que a Moura Dubeux foi uma das patrocinadoras. Por sinal, antecipei minha volta de São Paulo onde fui em viagem de trabalho para ver o show, para o qual tinha comprado ingresso antes de saber que a construtora era patrocinadora, e fazer a cobertura das semifinais do Pernambucano para o Terra.

Eu adoro os Beatles. Tenho uma coleção de vinis aqui em casa com alguns exemplares dos caras. Acho que são os discos mais ouvidos em meio a dezenas de Miles Davis, Coltranes e alguns lindos Miltons, Gilbertos e bossas.

Mas tenho impressão que faltou abordarem um aspecto no debate sobre os dois shows daqui do Recife. Sim, na parte técnica ele realmente me impressionou. Deixo para quem entende mais de música as críticas, até porque não tinha como eu ouvir Let it be ao vivo e não achar que aquilo era um momento fantástico.

No primeiro dia, uma fila monumental se formou. Uma coisa enorme, mais de um quilômetro, sem organização nenhuma. Nunca vi aquilo nem em jogo do Santa Cruz, sorte que não teve arrastão, mas como tem virado comum foram muitos assaltos na entrada do show. O desrespeito foi total especialmente para quem pagou R$40 a mais para ter o chamado Visa Pass. A propaganda enganosa dizia que não haveria filas e são centenas, talvez milhares, de pessoas que deveriam se organizar para entrar na Justiça com ações contra os organizadores/patrocinadores.

Pior foi o domingo. Milhares de ingressos foram distribuídos pelo Governo do Estado. Nada contra a cultura ficar mais acessível aos servidores públicos. Mas para se ter ideia da falta de critério com que as pessoas recebiam isso um amigo meu comprou ingresso por R$30, foi jantar na casa dele e depois voltou para assistir o show lá no gramado do Arruda. Outro ficou lá esperando para ver se comprava por R$5 ou R$10 depois do início.

Os cambistas revenderam entradas por até R$30 (talvez menos?) porque os servidores que receberam os ingressos não tinham o menor interesse em Paul McCartney. Qual foi o critério utilizado para distribuição? Fiquei curioso sobre quantos ingressos foram comprados pelo Governo do Estado e o preço pago por unidade? Fora grande quantidade de pessoas que receberam os ingressos de uma empresa patrocinadora (qual?).

Acho que temos o direito de saber quanto o Governo do Estado investiu no evento, assim como foi publicado que a Prefeitura do Recife gastou R$400 mil. Mas seria absurdo não notar que o gasto do Poder Público com esse evento prenuncia um risco enorme de desvios, privilégios e mesmo possibilidade de corrupção em novos eventos culturais ou mesmo durante a Copa do Mundo. Fiscalização e canja de galinha nem sempre são vistos com bons olhos, mas fazem muito bem.



http://www.flickr.com/photos/direitosurbanos/

15.4.12

#euocupeisemsaber

Eu gosto muito do Batida Salve Todos. Gosto dos comentários sobre moda, das fotos de gente bonita e mesmo do bom humor com que a autora fala de temas que não lhe são familiares. Meu post preferido é aquele em que ela se diz completamente ignorante em termos de alta gastronomia.

Por isso mesmo, faço questão de dar meus argumentos para ela saber de onde surgiu esse movimento na internet chamado Direitos Urbanos e porque foi tão importante um dia dedicado ao #ocupeestelita. Mas primeiro faço questão de esclarecer. Nunca estive de frente. Li pouquíssomo do que meus amigos professores doutores João Paulo Lima e Silva Filho, Leonardo Cisneiros e Erico Andrade postaram na internet. Estou distante até da militância de um cara como o cineasta Marcelo Pedroso. Então, #euocupeisemsaber e não me arrependi. Ainda fiz pior, levei meu filho. Aliás, repeti esse crime que minha mãe cometeu.
Fui para o cais hoje com uma história em quadrinhos de Cavani Rosas nas mãos. Mostrei aos meus amigos e eles fizeram questão de saber de que ano era aquela chuva de prédios sobre o Poço da Panela. Lembro daquele dia, na Rua dos Arcos, quando a ameaça era de autorizarem um primeiro prédio de grandes proporções por ali.  Saudoso Poço da Panela de 1986.

Cresci naquele bairro que tinha um campo de areia, dois de grama, três pés de mamona, 12 palmeiras imperiais, 17 mangueiras, 37 jambeiros e um pé de azeitona rocha que continua em pé. É, ao contrário do que dizia reportagem recente, o Poço da Panela não é mais o mesmo. Por mais que os orgulhosos compradores dos prédios de R$600 mil reais erguidos sobre a matinha de Zé Donino neguem, nas horas de pico é preciso enfrentar um trânsito de pelo menos uma hora no corredor 17 de Agosto-Rui Barbosa. Não vou nem falar na interferência no clima e do fato de 20 e tantos edifícios terem sido erguidos sobre uma área, como me disse uma arquiteta da Prefeitura, que era o último espaço para onde fluíam as águas das chuvas na região de Casa Forte. Vamos esquecer também que após o Habite-se, criminosamente, aquelas árvores que faziam parte da minha infância são derrubadas mesmo sob queixas de uma minoria de moradores que gostariam de tê-las no futuro deles, mesmo que como propriedade do condomínio.
Enfim, o Poço e Casa Forte ainda não são os piores lugares para se viver no Brasil. Mas claramente não comportavam o crescimento desordenado que não conseguimos evitar nestas duas últimas décadas. Mas estava eu ali com um papel para dizer que um artista plástico previu que os planos estavam errados, que aquilo não daria certo e iríamos nos arrepender de deixar que as construtoras fizessem o que bem entendessem dos terrenos privados que elas comprassem no bairro há quase 30 anos.
Foi ali, com meus oito anos, que comecei a entender o que era brigar pelos Direitos Urbanos no Recife. Uma derrota clamorosa! Felizmente, vieram outras batalhas e hoje sinto uma dívida eterna pela mobilização que foi feita em defesa do Sítio da Trindade. Depois de separado, deixei minha casinha com quintal na Rua Jader de Andrade e vim morar num pequeno apartamento da Estrada do Encanamento, onde tenho como vista e quintal o antigo Forte do Arraial do Bom Jesus.
A mobilização social foi intensa. O Ministério Público entrou na jogada. Foram feitas escavações que comprovaram o valor histórico e o potencial turístico da área. Enfim, o Sítio da Trindade foi preservado. E ai entra o ponto principal da história. Ninguém é contra o progresso. Naquela oportunidade, eram muitas vozes a dizer que o prédio da antiga Fábrica da Macaxeira deveria ser revitalizado para abrigar a Refinaria Multicultural do bairro. Até hoje, em todas as oportunidades que tenho cobro e reinvindico esta benfeitoria, porque realmente acho absurdo ter se deixado de lado um projeto tão bonito do secretário João Roberto Peixe só porque foi idealizado em uma área inadequada.

Coloco o Sítio da Trindade como exemplo, para evitar aquele discurso de que a mobilização da Tamarineira foi vitoriosa porque tinha por trás a força econômica e os meios de comunicação do grupo JCPM. Por sinal, nem é justo chamar de vitoriosa. O uso daquele espaço ainda pode ser muito mais público, assim como o do Sítio da Trindade. Espaços que ainda são esquecidos pelo poder público.

Ao contrário da maioria tenho uma relação particular com o Cais José Estelita. Aprendi a velejar ali, vendo as cabeças de boi boiarem na maré, levando caldo naquela mistura de bactérias com água e sofrendo com a interrupção do vento quando passamos pelas torres gêmeas no Bairro de São José. Assim como fiz um acampamento para me despedir da Muro Alto que conheci, fiz também antes desse encontro de hoje um piquenique de adeus aos antigos galpões do porto.
Ao contrário de Muro Alto, onde não conseguia ver alternativa para preservar um local que me era caro, vejo no Cais José Estelita uma grande possibilidade de se lutar para que seja criado um espaço para tornar Recife uma cidade mais habitável. O #ocupeestelita teve justamente o mérito de mostrar que ali naquele espaço, por ser tão central e tão maravilhoso, podemos reunir gente da Zona Sul e da Zona Norte para andar de skate, passear de bicicleta, fazer arte ou fazer nada vendo aquela vista linda. Muita gente ali queria gritar: crescimento responsável também dá lucro! Eu, por outro lado, acredito que crescimento sem planejamento é prejuízo social e também econômico.
É claro que ninguém está se iludindo de que o processo é fácil. Sabemos que é difícil, que precisamos nos unir ao Ministério Público, aos grandes urbanistas dessa cidade, aos políticos (só vi Edilson Silva na mobilização e o futuro vereador com essa simples presença ganhou meu voto), mas precisamos acreditar que não vamos ter novamente uma derrota clamorosa como foi a que causou o inchaço e a destruição da área mais nobre da Zona Norte da nossa cidade.
Mas o Cais José Estelita é o único lugar que está passando por um risco grave? Não. Se meu amigo sociólogo me emprestar eu faço questão de levar o sofá e a plaquinha onde ele escreveu ativista de sofá para os aterros ilegais da Moura Dubeux, na BR-101 Sul. Ali, no caminho de Suape, as comunidades ribeirinhas sofrem cada vez mais. Mas, quase na fronteira de Jaboatão com o Cabo de Santo Agostinho, não dá link no ao vivo da Globo. Aliás, você já ouviu falar em Comporta?