Eu gosto muito do Batida Salve Todos. Gosto dos comentários
sobre moda, das fotos de gente bonita e mesmo do bom humor com que a autora
fala de temas que não lhe são familiares. Meu post preferido é aquele em que
ela se diz completamente ignorante em termos de alta gastronomia.
Por isso mesmo, faço questão de dar meus argumentos para ela
saber de onde surgiu esse movimento na internet chamado Direitos Urbanos e
porque foi tão importante um dia dedicado ao #ocupeestelita. Mas primeiro faço questão de esclarecer. Nunca estive de frente. Li pouquíssomo do que meus amigos professores doutores João Paulo Lima e Silva Filho, Leonardo Cisneiros e Erico Andrade postaram na internet. Estou distante até da militância de um cara como o cineasta Marcelo Pedroso. Então, #euocupeisemsaber e não me arrependi. Ainda fiz pior, levei meu filho. Aliás, repeti esse crime que minha mãe cometeu.
Fui para o cais hoje com uma história em quadrinhos de
Cavani Rosas nas mãos. Mostrei aos meus amigos e eles fizeram questão de saber
de que ano era aquela chuva de prédios sobre o Poço da Panela. Lembro daquele
dia, na Rua dos Arcos, quando a ameaça era de autorizarem um primeiro prédio de
grandes proporções por ali. Saudoso Poço
da Panela de 1986.
Cresci naquele bairro que tinha um campo de areia, dois de
grama, três pés de mamona, 12 palmeiras imperiais, 17 mangueiras, 37 jambeiros
e um pé de azeitona rocha que continua em pé. É, ao contrário do que dizia reportagem recente, o Poço da Panela não é mais o
mesmo. Por mais que os orgulhosos compradores dos prédios de R$600 mil reais
erguidos sobre a matinha de Zé Donino neguem, nas horas de pico é preciso
enfrentar um trânsito de pelo menos uma hora no corredor 17 de Agosto-Rui
Barbosa. Não vou nem falar na interferência no clima e do fato de 20 e tantos edifícios
terem sido erguidos sobre uma área, como me disse uma arquiteta da Prefeitura,
que era o último espaço para onde fluíam as águas das chuvas na região de Casa
Forte. Vamos esquecer também que após o Habite-se, criminosamente, aquelas
árvores que faziam parte da minha infância são derrubadas mesmo sob queixas de
uma minoria de moradores que gostariam de tê-las no futuro deles, mesmo que
como propriedade do condomínio.
Enfim, o Poço e Casa Forte ainda não são os piores lugares
para se viver no Brasil. Mas claramente não comportavam o crescimento desordenado que não
conseguimos evitar nestas duas últimas décadas. Mas estava eu ali com um papel para
dizer que um artista plástico previu que os planos estavam errados, que aquilo
não daria certo e iríamos nos arrepender de deixar que as construtoras fizessem
o que bem entendessem dos terrenos privados que elas comprassem no bairro há quase 30
anos.
Foi ali, com meus oito anos, que comecei a entender o que
era brigar pelos Direitos Urbanos no Recife. Uma derrota clamorosa! Felizmente,
vieram outras batalhas e hoje sinto uma dívida eterna pela mobilização que foi
feita em defesa do Sítio da Trindade. Depois de separado, deixei minha casinha
com quintal na Rua Jader de Andrade e vim morar num pequeno apartamento da
Estrada do Encanamento, onde tenho como vista e quintal o antigo Forte do
Arraial do Bom Jesus.
A mobilização social foi intensa. O Ministério Público
entrou na jogada. Foram feitas escavações que comprovaram o valor histórico e o
potencial turístico da área. Enfim, o Sítio da Trindade foi preservado. E ai
entra o ponto principal da história. Ninguém é contra o progresso. Naquela
oportunidade, eram muitas vozes a dizer que o prédio da antiga Fábrica da
Macaxeira deveria ser revitalizado para abrigar a Refinaria Multicultural do
bairro. Até hoje, em todas as oportunidades que tenho cobro e reinvindico esta
benfeitoria, porque realmente acho absurdo ter se deixado de lado um projeto
tão bonito do secretário João Roberto Peixe só porque foi idealizado em uma
área inadequada.
Coloco o Sítio da Trindade como exemplo, para evitar aquele
discurso de que a mobilização da Tamarineira foi vitoriosa porque tinha por
trás a força econômica e os meios de comunicação do grupo JCPM. Por sinal, nem
é justo chamar de vitoriosa. O uso daquele espaço ainda pode ser muito mais
público, assim como o do Sítio da Trindade. Espaços que ainda são esquecidos
pelo poder público.
Ao contrário da maioria tenho uma relação particular com o
Cais José Estelita. Aprendi a velejar ali, vendo as cabeças de boi boiarem na
maré, levando caldo naquela mistura de bactérias com água e sofrendo com a interrupção
do vento quando passamos pelas torres gêmeas no Bairro de São José. Assim como
fiz um acampamento para me despedir da Muro Alto que conheci, fiz também antes
desse encontro de hoje um piquenique de adeus aos antigos galpões do porto.
Ao contrário de Muro Alto, onde não conseguia ver
alternativa para preservar um local que me era caro, vejo no Cais José Estelita
uma grande possibilidade de se lutar para que seja criado um espaço para tornar
Recife uma cidade mais habitável. O #ocupeestelita teve justamente o mérito de
mostrar que ali naquele espaço, por ser tão central e tão maravilhoso, podemos reunir
gente da Zona Sul e da Zona Norte para andar de skate, passear de bicicleta,
fazer arte ou fazer nada vendo aquela vista linda. Muita gente ali queria gritar: crescimento responsável também dá lucro! Eu, por outro lado, acredito que crescimento sem planejamento é prejuízo social e também econômico.
É claro que ninguém está se iludindo de que o processo é
fácil. Sabemos que é difícil, que precisamos nos unir ao Ministério Público,
aos grandes urbanistas dessa cidade, aos políticos (só vi Edilson Silva na
mobilização e o futuro vereador com essa simples presença ganhou meu voto), mas precisamos acreditar
que não vamos ter novamente uma derrota clamorosa como foi a que causou o
inchaço e a destruição da área mais nobre da Zona Norte da nossa cidade.
Mas o Cais José Estelita é o único lugar que está passando
por um risco grave? Não. Se meu amigo sociólogo me emprestar eu faço questão de
levar o sofá e a plaquinha onde ele escreveu ativista de sofá para os aterros ilegais da Moura
Dubeux, na BR-101 Sul. Ali, no caminho de Suape, as comunidades ribeirinhas
sofrem cada vez mais. Mas, quase na fronteira de Jaboatão com o Cabo de Santo
Agostinho, não dá link no ao vivo da Globo. Aliás, você já ouviu
falar em Comporta?