2.9.12

A responsabilidade do ciclista e do poder público na polêmica do binário de Parnamirim


Estava almoçando com um amigo e ele me disse uma frase que achei interessantíssima: “o ciclista pode ser um motorista sem carro”. Achei melhor ainda porque pedalando de volta para minha casa na ciclofaixa da Estrada do Encanamento tive de frear porque um senhor estava querendo atravessar a avenida e não me viu pedalando no sentido contrário dos carros.

Fiquei pensando nestas duas questões, a responsabilidade do ciclista e também a do poder público municipal no sentido de sinalizar as vias e evitar acidentes, ao mesmo tempo em que as pessoas consigam se locomover com eficiência.

Apesar de gostar de bicicleta, meu amigo não consegue pedalar porque perdeu parte da flexibilidade e mobilidade de uma das suas pernas. Quer dizer, ele frequenta os #ocupeestelita, esteve no protesto da Agamenon, faltou o do Cinema São Luiz, mas numa Bicicletada não tem como ele estar porque não consegue pedalar nem em bicicleta ergométrica. De sua maneira educada, ele me contou alguns episódios em que como pedestre se sentiu ameaçado por ciclistas que utilizam as calçadas, não respeitam os sinais de trânsito ou cometem algum outro tipo de irregularidade.

O que achei mais interessante é que olhando para meu amigo ninguém imagina que ele tem problema de mobilidade. Quer dizer, em cima de uma bicicleta em velocidade rápida, eu poderia esperar uma reação dele para se safar de uma colisão que ele simplesmente não tem como realizar, porque mesmo fazendo fisioterapia, caminhando na praia e malhando ele não consegue ter a flexibilidade/mobilidade na perna que para a maioria é normal.

Aprendi a pedalar com três anos. Talvez a lembrança mais antiga da minha vida tenha sido em cima de uma bicicleta, o dia em que levei uma mordida de um cachorro chamado Cenoura.  Ainda criança, criava circuitos imaginários de bicicross subindo e descendo as calçadas do Poço da Panela. Quer dizer, para mim vai ser sempre um prazer muito grande ultrapassar as barreiras da nossa cidade em cima de uma bicicleta, mas aprendi já há um tempo que lugar de ciclista é na rua para evitar acidente com os pedestres.

É uma coisa que muitos ciclistas, como eu, têm de prestar atenção, porque é fácil ceder à tentação de meter uma mountain bike para cima do meio-fio e ganhar alguns segundos no trajeto (e até dá para fazer isso andando, como tenho feito muitas vezes com minha Caloi 10). Já em relação aos sinais de trânsito, eu não vou mentir, por mais que as bicicletas devam respeitar a sinalização muitas vezes é mais perigoso esperar o verde no sentido que estamos indo do que furar o sinal, já que nossa cidade não tem uma sinalização que respeite os direitos dos ciclistas.

Me vem à cabeça um cruzamento aqui bem perto de casa, logo após à Praça de Parnamirim. E vou falar dele para chegar à minha sugestão para a ciclofaixa das Estradas do Arraial e Encanamento. Após o Serpro (na 17 de Agosto), muitos carros viram à direita em direção à Torre. O ciclista que para no sinal vermelho e quer seguir adiante fica numa situação complicada para concorrer com a enorme quantidade de carros. É o tipo de situação que em uma cidade planejada também para os ciclistas haveria um tempo semafórico para as bicicletas.

Por enquanto, é preciso pensar no cuidado necessário para evitar a colisão naquele trechinho de faixa de pedestre, especialmente nessa hora em que o ciclista sabe que precisa passar o sinal antes do verde ou pelo menos estar à frente dos carros para poder cruzar a via antes dos veículos começarem a dobrar. Existe uma solução eficiente para cruzamentos, que é deixar uma área à frente dos carros para os ciclistas, mas nesse caso a solução ideal é outra e por isso vou começar a falar da minha experiência como ciclista na ciclofaixa aqui da Zona Norte.

Quando eu vi a sinalização meu primeiro comentário foi de terror.  “Estão querendo transformar o Hospital Agamenon Magalhães em uma unidade especializada em traumas de ciclistas?” A sinalização da ciclofaixa naquele cruzamento é um risco para os desavisados, já que os carros fazem a curva em alta velocidade. (Mas isso pode ser visto facilmente nesse vídeo aqui).



Agora, a Prefeitura do Recife vem dizer publicamente que terá de tirar a ciclofaixa do Arraial porque os ciclistas estão andando na contramão? Isso é uma falácia. Quem anda no sentido contrário da Rosa e Silva é uma minoria de irresponsáveis que faz o mesmo na Rui Barbosa (ou na Agamenon) e deveríamos há muito tempo ter previsto uma forma de punir esses ciclistas. A ciclofaixa é perigosa porque passa por um cruzamento em que os motoristas costumam entrar muitas vezes acima dos 40 ou até 60km/h.

Além disso, não foi feita nenhuma sinalização para avisar aos motoristas do fim da terceira faixa após a Tamarineira. Eu mesmo, no meu carro, já me peguei dirigindo sobre a ciclofaixa porque é muito menos efetiva a sinalização horizontal e irresponsavelmente o Governo Municipal não indica o fim da faixa da esquerda dos carros.

Para se ter ideia de como é necessária e urgente uma melhoria na sinalização, lembro que a Prefeitura diz publicamente que a ciclofaixa é unidirecional, mas não existe nenhuma sinalização vertical ou mesmo horizontal que mostre isso para o ciclista que não leu o jornal no dia da implantação do binário. E, vamos ser sinceros, não existe porque se qualquer usuário sabe que aquela alternativa de tráfego para bicicletas só serve sendo bidirecional, os técnicos da CTTU também têm essa noção.

Finalmente, cheguei ao ponto em que comecei. Eu consegui evitar a colisão com um pedestre na Estrada do Encanamento porque estava há uns 20km/h. Mas qual o limite de velocidade para bicicletas naquela ciclofaixa? Mesmo lendo quase tudo que saiu sobre essa polêmica, nunca soube dessa informação e não tem placa nenhuma indicando. E, principalmente, porque o Governo Municipal não admite que a ciclofaixa bidirecional é um sucesso e implanta a sinalização afirmando que os ciclistas podem trafegar nos dois sentidos? Isso seria uma forma de avisar também aos pedestres, para que tenham essa atenção extra ao cruzar as vias. (Pessoalmente, acredito que a Prefeitura pode até vir a implantar uma sinalização indicando uma direção apenas, mas vou continuar defendendo que os ciclistas utilizem a ciclofaixa nas duas direções e me desculpe quem discordar).  Mas é preciso reforçar, especialmente agora que não tem sinalização, que o ciclista tenha atenção redobrada e pedale numa velocidade mais lenta que o normal.

Em relação ao perigo na Estrada do Arraial para os ciclistas, a minha sugestão vem dos primeiros projetos que vi para a Zona Norte quando era assessor de imprensa da CTTU, na época da implantação do binário Domingos Ferreira-Conselheiro Aguiar. O Governo Municipal não deve tirar a ciclofaixa dali antes de implantar a continuação do trajeto pela Rua do Futuro, transformando uma das faixas que hoje são de estacionamento em trajeto para bicicletas.

Desde aquela época a Prefeitura sabe que essa é a alternativa ideal, mas hoje está claro que temos um problema grande porque o trajeto implantado aumentou o congestionamento na Rosa e Silva, já que ali foi o único trecho de avenida em toda a extensão da ciclofaixa em que se diminuiu uma das faixas de rolamento para os carros. A Rua do Futuro recebendo uma ciclofaixa estaria sendo privilegiado o Parque da Jaqueira, que inegavelmente é o local de lazer que mais atrai ciclistas na cidade. Mas, principalmente, a via se tornaria um acesso muito mais seguro para o Centro para os trabalhadores, já que de lá é fácil atravessar a Agamenon por uma das alternativas no Espinheiro.

É como me disse um engenheiro de tráfego antes da implantação mal sucedida da Conde da Boa Vista, alternativas eficientes existem mas é preciso enfrentar a reação de setores da sociedade. O Governo Municipal errou no Centro, mas ainda tem chance de transformar um projeto mal feito em uma alternativa mais segura e viável para milhares de ciclistas da Zona Norte do Recife.

Foto: Fernando Lima