Vou compartilhar uma coisa pessoal aqui. Sempre tive ódio do governador Eduardo Campos.
Falo com esses termos mesmo, porque era coisa de criança.
Imaginem. Naquela época de inflação meu pai criou (não sei
quem mais estava com ele nisso, adoraria saber dar o crédito) na Emprel uma
pesquisa semanal para verificar os supermercados e mercadinhos que estavam
vendendo mais barato. Era a realização do sonho de um analista de sistemas
preocupado com o social, que viveu para ver apenas a primeira versão do
Windows. Mas quando Jarbas Vasconcelos deixou de ser prefeito, ele virou diretor
do órgão de informática do Governo do Estado, que naquela época se chamava
Fisepe.
Antes de começar a trabalhar lá, não existe nada que eu me
lembre – nem mesmo o Flamengo – que Fred Amorim falasse tão mal quanto aquela
primeira gestão de Arraes pós-Ditadura. E eram muitos embates, porque a mulher
dele trabalhava e era empolgadíssima com os projetos de preservação e
recuperação arquitetônica que ela tocava na Fundarpe.
Meu pai tinha fundado o PSDB, depois de se envolver
fortemente na campanha de Bruno Maranhão para prefeito do Recife pelo PT, tinha
saído de uma apaixonante experiência na primeira gestão de Jarbas Vasconcelos na
Prefeitura do Recife e aceitou um emprego naquela gestão de Miguel Arraes não
me perguntem o motivo. Seria obrigado a responder que só posso imaginar que foi
para pagar as contas no fim do mês.
Em 1989, antes de Sorato dar o título Brasileiro ao Vasco e
da Globo fazer aquela edição ridícula do debate entre Fernando Collor e Lula,
uma cena marcou meu sentimento em relação à política.
Estava ali às vésperas de completar 11 anos. O enterro do
meu pai cheio de pessoas que eu não conhecia. De repente, chegou um jovem
secretário para prestar solidariedade à família e eu achei um desrespeito
tremendo a transformação do luto dos amigos, familiares e o meu especificamente
em um ambiente de discussão política.
Meu pai morreu do coração numa das primeiras reuniões de
greve em que teve de representar o Governo diante da sua categoria (foi dos
primeiros analistas de sistema formados pela IBM no Brasil). Assim como criei
uma aversão completa ao cigarro porque naquele dia alguém me disse que ele tinha
morrido porque fumava duas carteiras de Hollywood por dia. Provavelmente,
endemonizei o hoje governador culpando ele por não ter aceitado o fardo: Quando
me perguntaram se eu queria segurar o caixão eu respondi não. Era mais fácil
dizer que não queria ficar numa ponta e ver Eduardo Campos na outra do que
simplesmente admitir que foi coisa de criança.
Já adulto eu me reencontrei com o então ministro da Ciência
e Tecnologia. Lembro de me queixar demais com minha ex-mulher. Eu tinha que
correr para caramba para ir pro trabalho, dar uma saidinha, aparecer na reunião
de pais e mestres e voltar para um outro emprego. E lá estava Eduardo Campos em
plena quarta-feira participando daquelas longas e monótonas conversas sobre o desenvolvimento
dos nossos filhos... “O cara devia estar em Brasília trabalhando! Ele é
ministro de Estado!”
Não só em Julia, como em toda mulher que conto essa
história, só consigo ver como resposta um brilho nos olhos de quem falaria “olhos
azuis”. Mas continuei sem nutrir nenhuma admiração pelo gestor, apesar daquela
inegável prova de respeito à família dele. Mais ainda, porque no meio da euforia
da primeira vitória dele para governador encontrei meu filho afogado na Praça
de Casa Forte com umas crianças da família Campos ou Arraes que em êxtase se
colocavam como reis do mundo e enchiam o saco de todo mundo que tinha menos de
11 anos.
Eu tinha dado meu primeiro voto a Edilson Silva naquela
eleição. E fiz questão de levar meu filho para conhecer o deputado federal
Paulo Rubem Santiago. Naquele mar de gente amarela que comemorava uma vitória
que não era minha, disse alguma coisa como “Chico esse cara é um político de
verdade”.
Meses depois, estava eu trabalhando com aquele deputado
federal que eu tinha conhecido ao denunciar o esquema dos precatórios. Para
quem não lembra, o petista Paulo Rubem foi o grande opositor do governador
Miguel Arraes. Por sinal, desenvolveu uma equipe na Assembleia Legislativa que
entendia tanto de orçamento público que até hoje alguns deles são referência e
atuam em cargos de chefia ou de relevância nessa área.
E sentei ao lado de Eduardo Campos no Tribunal Superior Eleitoral
quando ele foi fazer a defesa do parlamentar que estava sendo expulso do PT. E
o presidente do PSB lia as anotações que eu fazia para o advogado de defesa e
transformava em argumentações diretas antes mesmo de ser questionado. E o
governador de Pernambuco arranjou tempo na sua agenda para pegar um avião do Recife até Brasília e ir
defender um deputado que tinha sido seu grande inimigo no início de carreira.
E, em compensação, o companheiro Fernando Ferro tinha ficado no Congresso
Nacional porque não teve oportunidade para sair das votações e Paulo Rubem só
teve duas (das três que tinha direito) testemunhas de defesa.
Naquele dia eu apertei com orgulho a mão do governador
Eduardo Campos. Posso nunca ter votado nele, mas a aula que eu tomei naquele
dia me tirou todo o ódio e criou uma certa admiração. Por que política é uma
arte para poucos.