Publicado no JC em 07.07.2009
Luiz Helvecio
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O povo pernambucano vem dando, ao longo da história, lições de bravura e de espírito cívico. Uma dessas memoráveis páginas foi escrita entre 1630 e 1635, quando, após a tomada do Recife pelos holandeses, o general Matias de Albuquerque iniciou a guerra da resistência, em um local denominado Arraial do Bom Jesus, com bravos pernambucanos, brancos, índios, negros escravos e mestiços de toda ordem.
Em 1635, após a chegada de novos reforços holandeses, os pernambucanos ficaram sitiados durante três meses e três dias, sendo obrigados a capitular em 6 de junho, pela falta de tudo que servia de sustento e de munição.
Em 1922, o Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano assinalou o local do primitivo Arraial Velho do Bom Jesus, erguendo no local uma pirâmide de granito, ainda hoje existente. Em 1958, durante o governo de Pelópidas da Silveira, toda a área foi desapropriada pela Prefeitura do Recife, com o objetivo de preservar a memória dos que lá tombaram na luta contra as forças invasoras.
Posteriormente, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional considerou todo o imóvel Monumento Nacional, consagrando-o como área de preservação rigorosa. Durante a administração do prefeito Gustavo Krause, decreto municipal passou a proteger também a área, instituindo a Zona de Preservação constituída pelo Sítio Histórico Sítio da Trindade-Arraial Velho do Bom Jesus, composta de uma Zona de Preservação Rigorosa (ZPR) e de uma Zona de Preservação Ambiental.
Está claro, pelos termos dos documentos acima citados, que as iniciativas da União e do município tiveram por objetivo a garantia da manutenção do bem cultural, permitindo às gerações futuras o conhecimento de um episódio importante de nossa história.
Apesar disso, nenhuma iniciativa existe ainda com o objetivo de se mostrar essa história para uma população que desconhece o que ali se passou. Muitos dos frequentadores do Sítio, inclusive, consideram que o nome Arraial Velho do Bom Jesus tem origem nas celebrações do ciclo junino que se realizam naquele espaço. Outro aspecto importante do Sítio é o do embelezamento da paisagem, da amenização climática e de todos os demais benefícios de um grande pulmão verde, que é representado pela arborização que toma conta da quase totalidade dos seus 4,6 hectares , grande parte constituída de árvores nativas.
Esse benefício ambiental assume uma importância maior ainda com a constatação de que a vegetação nativa do Recife representa, hoje, menos de 1% de sua cobertura nativa original e que o Recife possui menos da metade da quantidade mínima de árvores que deveria ter, conforme índices aceitos mundialmente. Ainda mais, um dos grandes desafios da humanidade no presente século é o combate ao fenômeno do aquecimento global, o qual precisa ser exercido com determinação, sob o risco de se comprometer a vida do homem na Terra.
Vale salientar que a região onde o Sítio está inserido continua a sofrer um forte processo de adensamento construtivo, com consequente destruição de quintais, impermeabilização do solo e aumento da temperatura na área. A Lei dos 12 Bairros não estende as suas restrições construtivas à área localizada à direita da Estrada do Encanamento, a partir da Rua Ferreira Lopes, o que vem possibilitando a aprovação de uma quantidade elevada de projetos de novas construções, a maioria de grande porte.
Pelas questões relacionadas acima, considero desinteressante para o Recife e sua população a decisão da Prefeitura do Recife de construir no local uma refinaria multicultural, com apoio financeiro do Ministério da Cultura e autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Alem de tirar o foco do evento histórico que ali aconteceu, a construção da refinaria no local ensejará a destruição de uma parte de sua área verde.
Vale salientar a importância da construção de uma refinaria multicultural, que proporcionaria oportunidades de inserção cultural a um número grande de jovens. Não podemos, no entanto, continuar agredindo o meio ambiente, sob os mais diversos pretextos.
Enquanto a história e a arborização do Sítio não podem ser transplantadas para outro local, a refinaria multicultural pode, sem qualquer prejuízo para o projeto. Eu mesmo sugeri ao então prefeito João Paulo, ainda em 2007, a construção da refinariano prédio onde existiu a antiga Fábrica da Macaxeira, na Avenida Norte.
É importante destacar, por fim, que devem, os que defendem e os que combatem a ideia, evitar, a todo custo, que a discussão se caracterize como uma quebra de braço entre oposição e situação, como ocorreu recentemente com a construção do Parque Dona Lindu, com o consequente empobrecimento do debate.
» Luiz Helvecio é engenheiro
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