22.4.08

Do PE Body Count




João Valadares (texto), Renato Spencer (a foto da piscina) e Rodrigo Lobo (a outra imagem)
A lente do repórter fotográfico Rodrigo Lobo (JCimagem) flagrou, na manhã de hoje, a desesperança. O desdém de crianças acostumadas com o absurdo. Indiferença resumida numa frase. "Estamos acostumadas." Costume. Não há com o que se espantar. É natural desprezar o corriqueiro. O problema é que o corriqueiro é o absurdo. É uma cena já vista várias vezes. Criança gosta de novidade. Faz sentido o que a menina de 11 anos me disse. "Estamos acostumadas". Ainda estou ruminando esta frase.

Pois é. Pernambuco se acostumou com essa doença chamada homicídio. São 9, 10, 11 todos os dias. Mortos da mesma forma. Na frente de todos, numa quadra de futebol, por exemplo.
Chegamos ao Coque, área central da cidade, às 10h30. Desci do carro primeiro do que Rodrigo e me deparei com a indiferença coletiva. Voltei para avisá-lo e ele já estava fotografando.

Sentadas na quadra de futebol da Rua João Paulo II, três meninas (12, 11 e 10 anos) conversavam alegremente. Ao lado, o cadáver de Edvan Clemente Barreto da Silva, 18 anos. Edvan nasceu no Coque e cresceu assistindo às mesmas cenas. Ontem, levou um tiro na cabeça e interrompeu por algumas horas a partida de futebol. No local, contei 27 crianças. Acho que havia bem mais. Algumas brincavam, outras olhavam atentamente para o corpo. Mas não havia espanto. Nenhuma gota de importância no olhar.

Depois de observar por uns 20 minutos a conversa das garotas, resolvi me aproximar. Perguntei sobre o que elas conversavam. Ficaram envergonhadas e não responderam. Perguntei porque elas estavam lá. "A gente gosta de ficar aqui na quadra."

E cadê a mãe de vocês? "Tá lá na frente. " As crianças só prestaram mais atenção quando os peritos do IML retiraram o lençol que cobria o cadáver. Muitas se aproximaram para observar os detalhes. Um menino de uns 10 anos fez o sinal da cruz quando percebeu o buraco na cabeça de Edvan. Duas mães com bebês nos braços chegaram mais perto também. Mesmo com o corpo descoberto, vários meninos continuaram o que estavam fazendo.

É isso. As nossas crianças estão acostumadas. São as melhores amigas do absurdo.

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