1.12.03

Dois hábitos meus

Eu tenho um hábito que, segundo Dado, é muito estranho: eu gosto de ler as cartas que os leitores mandam pros jornais. Quer dizer, em alguns casos, eu não leio (no caso do JC, porque acho que eles não têm critério). Em outros, eu vejo qual o tema e quem é o autor, para ver se vale à pena ler (caso do Diário de Pernambuco). E em outros casos (mais raros), como no da Folha de São Paulo, eu sempre leio, porque geralmente as cartas são bem escritas e acrescentam algo ao debate.

Talvez eu tenha esse costume por causa de um outro hábito meu: eu também escrevo para jornais e jornalistas. Recentemente li uma carta na Folha de São Paulo que me instigou a responder. Um jornalista de lá me respondeu pedindo para que eu resumisse. Júlio me fez esse favor. O resultado final (a “carta” publicada) foi decepcionante. Mas quem lê esse Blog e esse texto poderá ver todo o processo! Uau, que privilégio!


A carta que provocou tudo:
Usuários de drogas
"Quem alimenta os traficantes, desgraçadamente, são os usuários sociais de entorpecentes. A maconha é uma droga ilícita, que,segundo médicos, acarreta transtornos em seus usuários. Então, se alguém diz, na mídia, que está praticando o ilícito deve, sim,ser responsabilizado, pois, além de comprar um produto ilícito, faz apologia, ainda que de um modo indireto, ao crime. A lei deve ser modificada para punir, com maior rigor, os usuários sociais das drogas, pois são eles que alimentam os traficantes. Se alguém quer relaxar, por que não vai ler a Bíblia? Ali a palavra de Deus tranquiliza as almas inquietas."
Neli Aparecida de Faria (São Paulo, SP)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1011200311.htm
Folha de São Paulo, Painel do Leitor, São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2003

Minha Carta Original:

Prezado Editor:

A leitora Neli Aparecida de Faria, em carta publicada 10/11, defende
que são os "usuários sociais da droga" que "alimentam os traficantes",
ecoando assim o senso comum predominante.

É claro que os usuários têm uma parcela de responsabilidade no
problema. Mas guardemos as devidas proporções. Afinal, em parte os
usuários são vítimas porque não podem usufruir seu direito à liberdade
de pensamento e expressão de forma plena (vide o caso de Luana
Piovani). E também não se pode dar aos usuários o mesmo grau de
responsabilidade dos Bancos que fazem lavagem de dinheiro impunemente,
leis anacrônicas e defasadas, conivência do poder público, polícia e
políticos corruptos. Esses sim, responsáveis por muitos dos males
desse país.

O usuário representa uma parcela pequena do problema. Estamos falando
de um costume, um hábito cultural (afinal fumar maconha faz parte de
uma cultura, ou seja um conjunto de valores e hábitos) bastante
disseminado na sociedade. Quando uma norma carece de legitimidade
(consenso) ela se enfraquece e a Legislação leva um tempo para
assimilar tal mudança (exemplo do divórcio no Brasil). Por que, então,
permanece a ilegalidade de drogas leves? A quem interessa a manutenção
desse status-quo? Essa questão de usuários de droga
como "financiadores" do narco-tráfico é um falso problema. Serve
apenas para desvirtuar o debate do seu verdadeiro foco. Antes de mais
nada, porque certas drogas são ilegais (maconha, cocaína, etc) e
outras (cigarro, café, álcool, remédios) não?

Finalmente, a sugestão da leitora para quem quiser relaxar ("leia a
bíblia") é arrogante e dogmática. Não se trata aqui de impor valores,
mas de se respeitar que outros tenham a liberdade para relaxar da
maneira que achem melhor, e não da maneira que certas pessoas
prefiram. Quem quiser fumar um baseado, fume; quem quiser ler uma
bíblia, leia. Um e outro podem ser tão danosos, dependendo de como
usados.


Bernardo Jurema



Edição de Júlio:

Prezado Editor:

A leitora Neli Aparecida de Faria, em carta publicada 10/11, defende
que são os "usuários sociais da droga" que "alimentam os traficantes",
ecoando assim o senso comum predominante. claro que os usuários têm uma
parcela de responsabilidade no problema. Mas guardemos as devidas
proporções. Afinal, em parte os usuários são vítimas porque não podem
usufruir seu direito à liberdade de pensamento e expressão de forma plena
(vide o caso de Luana Piovani). Quando uma norma carece de legitimidade
(consenso) ela se enfraquece e a Legislação leva um tempo para assimilar tal
mudança (exemplo do divórcio no Brasil). Essa questão de usuários de droga
como "financiadores" do narco-tráfico é um falso problema. Serve
apenas para desvirtuar o debate do seu verdadeiro foco. Antes de mais
nada, por que certas drogas são ilegais (maconha, cocaína, etc) e
outras (cigarro, café, álcool, remédios) não?
Finalmente, a sugestão da leitora para quem quiser relaxar ("leia a
bíblia") é arrogante e dogmática. Não se trata aqui de impor valores, quem
quiser fumar um baseado, fume; quem quiser ler uma
bíblia, leia. Um e outro podem ser tão danosos, dependendo de como
usados.


Carta publicada:
Drogas
"A leitora Neli Aparecida de Faria, em carta publicada nesta seção em 10/11, defende que são os "usuários sociais da droga" que "alimentam os traficantes", ecoando assim o senso comum predominante. É claro que os usuários têm uma parcela de responsabilidade no problema, mas vê-los como "financiadores" do narcotráfico serve apenas para desvirtuar o debate do seu verdadeiro foco. Antes de mais nada, por que certas drogas são ilegais e outras não?"
Bernardo Jurema (Recife, PE)




Folha de São Paulo, Painel do Leitor, São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 2003

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