25.11.04

Peões e Entreatos

Eduardo Coutinho (Edifício Master e Peões) e João Moreira Salles (Notícias de Uma Guerra Particular e Entreatos) parecem assustados com a repercussão política de seus dois filmes sobre o presidente Lula. ?Não tenho idade para acreditar em utopia. Por isso estou pouco frustrado?, diz o primeiro. ?Como botafoguense não tenho grandes ilusões?, reafirma o irmão de Walter Salles.

A verdade é que fica difícil avaliar a recriação do estilo minimalista de Eduardo Coutinho diante da oportunidade de ouvir as expectativas dos companheiros de luta sindical do presidente, antes dele ocupar o cargo mais importante do Brasil. Ainda menos importantes são as qualidades técnicas de Entreatos, um filme realizado sem tripé e que não teve iluminação artificial.

Ao sair dos filmes o que toca a maioria dos expectadores é o conteúdo. O senador Eduardo Suplicy espia sozinho, na última cena de Entreatos, Lula ser engolido por uma montanha de fotógrafos e jornalistas em busca da primeira fala do presidente eleito. E a imagem explica um velho jargão do jornalismo ?a solidão do poder?.

Pequenos trechos do filme dirigido por João Moreira Salles poderiam ser usados pela imprensa para causar grandes escândalos nacionais. Numa hora, por exemplo, o candidato fala de brincadeira sozinho ao telefone: Duhalde nós queremos devolver o Favre. E de repente o pernambucano mostra o sentimento que derrotou (agora não dá mais para negar) Marta Suplicy na eleição para prefeito de São Paulo.

Por outro lado, Entreatos traz de volta o presidente que o Brasil aprendeu a admirar. Com alguns ingredientes que são novidade para a maioria da população. É de admirar que o candidato previa e respeitava a posição crítica do PT em relação ao seu futuro Governo. Assim como é difícil imaginar um outro candidato eleito a presidente de um País importante que poderia abrir mão totalmente de sua privacidade no período pré-eleitoral?

João Moreira Salles é só elogios ao garantir que não houve interferência nenhuma do Governo Federal e dos personagens. ?Entregamos uma cópia um pouco maior desse filme à equipe do Palácio do Planalto em dezembro, mas até agora não tivemos retorno algum?, garante revelando certa ansiedade para saber a opinião dos petistas sobre o filme.

Evidentemente a equipe de filmagem não teve acesso a todos os momentos da campanha. No filme, o nome do diretor é assinado sobre uma porta fechada. José Dirceu pergunta ?quem é esse tal de João Salles?? e pouco depois a imagem é cortada. Mas Salles afirma que não imaginava que teria tanto acesso aos momentos cruciais da campanha.

O filme de Eduardo Coutinho não trará tantas polêmicas. Tem momentos muito engraçados, como uma cena em que uma ex-metalúrgica explica que o seu maior prazer é gritar, dar esporro. O expectador parece entender um pouco mais quem é Lula depois dessa explicação e de muitas outras. Mas Peões é essencialmente um documento sobre uma categoria profissional em extinção. Metalúrgicos que participaram de um momento importante da história brasileira demonstram solidão, tristeza, orgulho e na maioria das vezes esperança. Só para lembrar, com uma administração que ainda estava para começar. No mínimo Peões é um passo importante para a democratização das informações no Brasil, pois é tão importante o povo conhecer os poderosos, quanto os governantes ouvirem as pessoas comuns.

Não deixa de ser um sopro de novos ares para o Governo Federal. Quem sabe não inspira os personagens do outro filme? Se os diretores dos dois longa-metragens agora são unânimes em dizer que não têm grandes utopias, pelo menos os entrevistados parecem discordar. E que outras demonstrações de esperança das platéias do Brasil nos façam acreditar que a arte explica melhor a realidade do que as opiniões dos seus autores.

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