27.9.05

Por que não mais PT?

No atual Partido dos Trabalhadores, a minoria está reduzida à inglória tarefa de legitimar as decisões da cúpula

PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO

Tenho, diante de mim, o recorte amarelecido do artigo que publiquei na página 3 da Folha de S. Paulo, no dia 22 de maio de 1981, com o título: "Por que PT".
Alinhei nesse artigo as razões da minha opção por esse partido: um programa de construção do socialismo democrático; preponderância de gente do povo entre os seus fundadores; subordinação da cúpula partidária às decisões dos núcleos de base.
Após 24 anos e quatro meses de militância, sou obrigado a reconhecer que esses não são mais os traços do PT. O socialismo tornou-se mera referência retórica; a consulta às bases, uma ficção; e, a cada renovação dos quadros dirigentes, menos gente do povo é eleita para os postos de comando.

O pior, porém, veio com a vitória de 2002. Apesar das negativas dos atuais dirigentes, a verdade é que o partido se rendeu ao neoliberalismo. Não foi, como se alega, uma tática de transição. Lula e a cúpula petista convenceram-se de que a receita neoliberal de estabilidade do mercado a qualquer custo, de abertura comercial, de terceirização e de privilégios aos investidores estrangeiros é o melhor que se pode fazer para o Brasil.
Os interesses concretos do povo tiveram de ceder às exigências do capital. Nestes dois anos e meio, o assistencialismo substituiu a luta contra a desigualdade, e o governo procurou frear a combatividade dos movimentos populares.
Nesse contexto de crise moral e política, as eleições para a renovação das direções assumiram importância estratégica, pois a indignação dos autênticos petistas abriu a chance de derrotar a até então imbatível máquina eleitoral montada pela oligarquia que dirige o partido há dez anos. Por isso, aceitei o convite para disputar a presidência do PT.
Deixei claro, porém, a esses companheiros e aos que assistiram aos debates entre os candidatos, que a eleição seria um teste sobre a possibilidade de recuperação da legenda não pelo resultado da votação, mas pela forma como o processo eleitoral se desenvolveria.
O resultado foi desanimador: em vários Estados, houve transporte em massa de eleitores e a quitação de contribuições atrasadas (requisito indispensável para votar) pelos cabos eleitorais do candidato da situação e de dois candidatos que se proclamavam de oposição. O peso desses eleitores de cabresto, que, no melhor estilo da política de clientela, votaram sem saber em quem, foi decisivo para o resultado da eleição.
Essa é uma realidade que não pode deixar de ser considerada pelos socialistas que integram o PT. Eles existem e são muitos. Quarenta mil honraram-me com seu voto e outros tantos podem ser encontrados entre os que, conscientemente, preferiram outros candidatos. Mas o total não foi suficiente para derrotar a situação.
Se nem a trágica crise que se abateu sobre o partido e seu governo, nem a evidente divisão da cúpula dirigente, nem a denúncia dos oposicionistas e nem a vigilância exercida pela imprensa foram suficientes para romper a blindagem que assegura a perpetuação do chamado Campo Majoritário (conjunto de correntes que compõem a direção) no comando da legenda, é preciso convir que o PT não mais oferece a possibilidade de que a minoria possa se tornar maioria, como é da essência do regime democrático. No atual PT, a minoria está reduzida à inglória tarefa de legitimar as decisões da cúpula.
Todas essas razões levaram-me à decisão de deixar o PT. Bem sei que não se trata de uma decisão aceita por parte das pessoas que me acompanharam na disputa do PED. Compreendo essa atitude e respeito esses companheiros e essas companheiras com quem quero continuar dialogando. Mas estou convencido de não ter outra alternativa para dar conseqüência a uma opção socialista feita no longínquo ano de 1961 e que mantive até hoje.
As circunstâncias concretas da conjuntura impedem a reunião de todos os socialistas autênticos em uma única organização política neste momento. Não será, contudo, por longo tempo. Logo a existência da unidade se imporá, até como condição da presença da proposta socialista na agenda política do país. Por isso, surgiu, simultaneamente, em diversas vertentes, a idéia de realizar, com todos os núcleos da diáspora socialista, uma reflexão exaustiva sobre os novos caminhos que o socialismo precisa trilhar em uma sociedade que sofreu profundas mudanças nestas últimas duas décadas. Pretendo dedicar a esse diálogo o melhor dos meus esforços.
Para não nos rendermos à imposição de uma legislação eleitoral espúria, vários companheiros, entre os quais me incluo, estão aceitando generoso oferecimento de filiação ao PSOL. Esse partido ainda não estabeleceu, em definitivo, seu programa e sua estratégia, a fim de nos dar tempo para uma reflexão mais cuidadosa.Essa abertura é importante e dá condições para propor um diálogo político bastante aberto entre nós, os socialistas, hoje dispersos em vários partidos e movimentos populares.
Troco de instrumento para não abandonar tarefa. Pretendo continuá-la com a mesma fé e a mesma garra.



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Plínio de Arruda Sampaio, 75, advogado, é presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária). Foi deputado federal pelo PT-SP (1985-91) e consultor da FAO (Organização da ONU para a Agricultura e a Alimentação).

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