25.2.07

Da partida

Os amigos agora partem. São Paulo, França, Rio, Floripa, Los Angeles.

Simone cuida do teu marido, porque eu queria estar junto.

Mateus compra uns temperinhos para a gente inaugurar tua panela nova.

Amelia guarda três euros para eu tomar um vinho contigo. Melhor do que cachaça é um vinho francês.

Rafa gasta os teus porque tua mulher e você merecem aproveitar essa nova janela até a última ponta.

Helena chegou rapidinho e se foi, deixou um menino bonito aqui (corre atrás!)

Daniel me deu a grande felicidade do ano. O êxtase.

Que é que eu dou em troca Lu? Vale tudo!

De Maria Rosa eu só senti o cheiro, atrás do sorriso de Paulinho.

Quem fica em Recife vai sentindo os canais se fecharem. Criam-se outros esperam os otimistas. O Capibaribe continua cheio, mas agora as garrafas pet bóiam, sobre uma água-óleo que enfrentamos com coragem para achar a felicidade. Está difícil achar um peixe? Então os que eu acho guardo para desfrutar com um bom vinho. Se não foi assim, será.

Bom os amigos aparecerem. Esperados como uma manga que amadurece ao lado da minha janela em Casa Forte. Ou de repente como um peixe que fisga um anzol enquanto eu sonho com uma nova paisagem.

Melhor que a distância é o encontro. Melhor que receber, só mesmo levar a cachaça para tomar junto com quem amo. E guardar as histórias para contar na hora certa.

Um beijo para os que não vieram, um carinho maior ainda para os que conseguiram dividir as tristezas e alegrias na orgia carnavalesca.

13.2.07

Pintar e fazer amor



Não sou muito de cinema francês. Mas esse filme me surpreendeu. É a obra de arte sobre o suingue, assim como Cidade de Deus é o melhor que existe sobre as favelas cariocas. Qualquer coisa que envolva troca de casais ia me interessar? Tudo bem faz algum sentido, mas esse filme superou minhas expectativas. Encontrei uma menina na entrada antes de ver o filme, ela resumiu muito bem: sutil.

A trilha sonora e o cenário fazem o filme. O interior francês é tão bonito quanto na realidade. E os personagens são franceses sem a realíssima arrogância, que estragaria bastante um filme que se realiza pela sua simplicidade e humanidade no tratamento do sexo e das paixões. Por sinal, o sexo é mais insinuado que explícito, mas uma cena de sexo oral é de deixar qualquer mulher molhadinha (os homens nem se falam, são muito mais vulneráveis ao apelo visual).

O ritmo é simplesmente perfeito. Tem umas músicas que entram muito bem no contexto. Mas não pensem que é um musical. Ótimas para tirar o olho da tela e ficar olhando para uma mulher linda. Ótimas para quem quer realmente se apaixonar, é só deixar o som entrar pelos seus ouvidos e olhar para o seu objeto de desejo. O problema vai ser depois esquecer essa menina. Mas para isso existe o tempo. E o Carnaval para os apressados.

No Jornal do Commercio dizia que é uma comédia? Realmente não entendi. Talvez o cara que fez a classificação seja muito mal resolvido sexualmente. Mas, pelo menos na sessão que assisti, não ouvi ninguém rindo em momento algum do filme. É um drama, com muito bom humor. Só que tende a mostrar a troca de casais muito mais pelo lado positivo e deixa apenas transparecer as dificuldades de quem está vivendo aquelas situações. Ou seja, é um filme realmente que defende aquilo que mostra.

Julio me perguntou se eu tinha achado melhor do que Amelie Poulain? Guarda semelhanças.

São filmes que preenchem vários espaços de satisfação: visual, trilha sonora, personagens fortes. Também são muito importantes como registros de dois locais franceses, um em Paris e outro no interior. Mas o que mais os aproxima é uma atmosfera positiva que lhe deixa mais feliz ao fim da sessão. Não que o mundo pareça ser um mar de rosas. Os dois filmes querem lhe mostrar bons jeitos de enfrentar as tormentas.

Amelie Poulain faz isso com uma atriz realmente linda, vestindo um personagem muito forte. Pintar e fazer amor é um pouco menos conto de fadas. Tem atores absolutamente comuns, em idades absolutamente normais (nada de crianças, velhinhos ou jovens). E mesmo sem esses apelos, consegue envolver e emocionar. Muito pela qualidade do elenco.

Só acho mais difícil convenser as pessoas de que trocar de parceiro de vez em quando pode dar certo, mesmo dentro das regras que os casais se impõem ali no filme. Mas até essa ambiguidade parece ter sido muito bem estudada. Daria um ótimo romance, cheio de nuances, ficou melhor ainda como filme.

9.2.07

Rariú, cafuçu, come lick my ass!

A festa do I love cafuçu traz todo um debate da nova configuração do relacionamento entre homens e mulheres no Brasil à tona.

Homens pagam R$5,00, mulheres R$8,00. Quer dizer que nesse grupinho específico de mulheres recifenses elas é que estão correndo atrás? Bem assim não é não, mas pelo menos elas gostam de ostentar esse discurso da falta de homens interessantes e do excesso de mulheres bonitas. Eu acho que elas estão certas. No mínimo, isso é um bom argumento para que todo mundo veja com extrema naturalidade duas meninas se pegando onde bem entenderem. Essa moda já está até demodé (sei lá como se escreve isso?).

Tem uma amiga minha que vive dizendo que o mundo é homossexual. Na vontade de me pegar, claro! Mas nessa eu não caio mais. Respondo que isso minha mãe já diz há mais de 20 anos. Se lembram? Década de 60 atrazada, foi vivida no início dos anos 80 com separações que resultaram em trocas de casais e muita putaria em toda a geração que lutou (ou nem tanto) contra a Ditadura Militar em Pernambuco. É claro, fica muito mais fácil quando ninguém vai ficar olhando para a sua cara com ar de estranhamento.

Salve a menina que tem a cabeça aberta de dizer que é massa se agarrar com um casal de gays. Conheço poucas mulheres assim. E é evidente que disconheço um homem que não tenha pelo menos batido um zilhão de punhetas pensando em duas mulheres. Nas minhas, por sinal, é sempre suruba. O peito dela, a bundinha daquela, o beijo na boca do meu amor. Agora, difícil mesmo é o cara ter o desprendimento de quando chega a hora da relação precisar ser revirada ficar por cima enquanto sua mulher leva rola por baixo. Mas isso para a mulher também não é simples não, ver o cara chupando uma outra buceta.

Na minha última saída com Mateus e Simone lembro de ter falado que para não estranhar um beijo na boca entre homens o casal tinha que ser muuuuuito bonito. Para tirar onda (ou porque estavam afim e nem tinham ouvido o meu discurso), um casal de amigos fez questão de dar um beijo na boca bem ali. Sentadinhos no bar, na frente dos casaizinhos de homens e mulheres. Achei bonitinho o enfrentamento. Mas, sendo honesto, me causou estranhamento mesmo. E isso está longe de ser um discurso sexista, é só uma confissão de enrustido (dava um livro sátira esse termo!).

Uma outra amiga me pergunta se vou de cafuçu para a festa. Minha resposta imediata foi que eu já sou um cafuçu. Pensando na minha grosseria, gostar de comer feijoada, churrasco, de beber muita cerveja, falar alto, ser torcedor do Sport Club do Recife, conhecer e passar para as futuras gerações a história de Ademir Menezes e Juninho Pernambucano, ter uma barriga corpulenta (mesmo que em processo de redução avançada), olhar para a bunda das gatinhas quando elas passam igual a um carioca. Ela me respondeu que eu era um cara sensível. Brochei na hora. Quem quer ser um cara sensível quando as mulheres renegam o papel que era delas? Ou que pelo menos elas vestiam durante parte de suas vidas.

Ser um cara sensível é tão infeliz quanto fazer política honestamente no Brasil? Acho que não. Ainda dá para pegar muita gente com esse discurso. Afinal, você não precisa de 30 mil votos para se eleger um cidadão feliz no amor ou pelo menos no sexo (para ficarmos numa área mais comum a nós mortais). E ai surge outra questão trazida pela festa. No discurso do I love cafuçu o que vale mesmo para o cara ser denominado cafuçu não é chupar osso, comer com as mãos, ou fazer concurso para ver quem bebe mais cachaça: é a pauduressência.

Realmente, fist fucking deve ser bom, mas a maioria dos mortais gosta mesmo é de pau duro e buceta molhada (ou cuzinho com KY). Claro que tudo é essencial na hora H. Língua, dedos, boca, nariz, nuca, peito, tatuagem, meu irmão fala até em cutuvelo? Essa eu ainda queria entender. Mas o meu é ressecado, não tem graça nenhuma, vou ver se pondo um pouquinho de hidratante alguém se interessa nele. Tá vendo, nem no Carnaval consigo colocar a fantasia de cafuçu. E tem dois shows de Ney Matogrosso esse fim de semana. Mas esse papel é mais complicado ainda de exercer. A gente vai levando.

E viva a rima!

8.2.07

Para auto-contemplação

Muribeca
Marcelino Freire

Lixo? Lixo serve pra tudo. A gente encontra a mobília da casa, cadeira pra pôr uns pregos e ajeitar, sentar. Lixo pra poder ter sofá, costurado, cama, colchão. Até televisão. É a vida da gente o lixão. E por que é que agora querem tirar ele da gente? O que é que eu vou dizer pras crianças? Que não tem mais brinquedo? Que acabou o calçado? Que não tem mais história, livro, desenho? E o meu marido, o que vai fazer? Nada? Como ele vai viver sem as garrafas, sem as latas, sem as caixas? Vai perambular pela rua, roubar pra comer?E o que eu vou cozinhar agora? Onde vou procurar tomate, alho, cebola? Com que dinheiro vou fazer sopa, vou fazer caldo, vou inventar farofa? Fale, fale. Explique o que é que a gente vai fazer da vida? O que a gente vai fazer da vida? Não pense que é fácil. Nem remédio pra dor de cabeça eu tenho. Como vou me curar quando me der uma dor no estômago, uma coceira, uma caganeira? Vá, me fale, me diga, me aconselhe. Onde vou encontrar tanto remédio bom? E esparadrapo e band-aid e seringa? O povo do governo devia pensar três vezes antes de fazer isso com chefe de família. Vai ver que eles tão de olho nessa merda aqui. Nesse terreno. Vai ver que eles perderam alguma coisa. É. Se perderam, a gente acha. A gente cata. A gente encontra. Até bilhete de loteria, lembro, teve gente que achou. Vai ver que é isso, coisa da Caixa Econômica. Vai ver que é isso, descobriram que lixo dá lucro, que pode dar sorte, que é luxo, que lixo tem valor. Por exemplo, onde a gente vai morar, é? Onde a gente vai morar? Aqueles barracos, tudo ali em volta do lixão, quem é que vai levantar? Você, o governador? Não. Esse negócio de prometer casa que a gente não pode pagar é balela, é conversa pra boi morto. Eles jogam a gente é num esgoto. Pr'onde vão os coitados desses urubus? A cachorra, o cachorro? Isso tudo aqui é uma festa. Os meninos, as meninas naquele alvoroço, pulando em cima de arroz, feijão. Ajudando a escolher. A gente já conhece o que é bom de longe, só pela cara do caminhão. Tem uns que vêm direto de supermercado, açougue. Que dia na vida a gente vai conseguir carne tão barato? Bisteca, filé, chã-de-dentro - o moço tá servido? A moça?Os motoristas já conhecem a gente. Têm uns que até guardam com eles a melhor parte. É coisa muito boa, desperdiçada. Tanto povo que compra o que não gasta - roupa nova, véu, grinalda. Minha filha já vestiu um vestido de noiva, até a aliança a gente encontrou aqui, num corpo. É. Vem parar muito bicho morto. Muito homem, muito criminoso. A gente já tá acostumado. Até o camburão da polícia deixa seu lixo aqui, depositado. Balas, revólver 38. A gente não tem medo, moço. A gente é só ficar calado. Agora, o que deu na cabeça desse povo? A gente nunca deu trabalho. A gente não quer nada deles que não esteja aqui jogado, rasgado, atirado. A gente não quer outra coisa senão esse lixão pra viver. Esse lixão para morrer, ser enterrado. Pra criar os nossos filhos, ensinar o nosso ofício, dar de comer. Pra continuar na graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não faltar brinquedo, comida, trabalho. Não, eles nunca vão tirar a gente deste lixão. Tenho fé em Deus, com a ajuda de Deus eles nunca vão tirar a gente deste lixo. Eles dissem que sim, que vão. Mas não acredito. Eles nunca vão conseguir tirar a gente deste paraíso.

6.2.07

Dois pesos e duas medidas

DP - VIDA URBANA - 6-2-2007

O estrago

Violência prejudica imagem do estado às vésperas do carnaval | O saldo da violência durante a prévia do Balança Rolha vai além dos danos materiais (depredação de patrimônio público) e a pessoas (20 feridos). A imagem do estado foi atingida pela repercussão negativa na imprensa nacional. Ontem foi o dia do mea-culpa.

DP - JOAO ALBERTO - 5-2-2007

No trio

Bronzeadíssima, usando short jeans e top, Ivete Sangalo abriu, ontem, em clima de altíssimo astral, seu desfile no Balança Rolha, na Avenida Boa Viagem, com uma declaração de amor à nossa cidade. A primeira música que cantou foi Voltei Recife. O desfile do bloco foi um extraordinário sucesso, reunindo maios de 500 mil pessoas. Num dos trios, Eduardo Campos, Carlos Wilson e André Campos.

Digo uma coisa: fazer jornal de casa nem sempre dá certo.

2.2.07

Eu acho é pouco mesmo



Não gosto de Carnaval. Nunca gostei. Já vim não sei quantas vezes ficar em Olinda com minha mãe. Sempre foi péssimo. Os adultos querendo me levar para ver os blocos. E os pirralhos com as brincadeiras idiotas deles. Nunca gostei de brincar de boneco, meu negócio é futebol, vôlei, basquete. Na pior das hipóteses, botão.

Só me restava ficar assistindo aos desfiles das escolas de samba do Rio. Pelo menos tem muita mulher bonita.

Esse ano até que estava bom, mas no último dia meu pai resolveu me trazer com ele. Quer dizer, acho que ele não arrumou com quem me deixar. Por isso, acabei tendo que vir a reboque e ele está enchendo a cara. Acabou a garrafinha de whisky e já está comprando uma latinha de cerveja. Isso não vai dar certo.

- Eu acho é pouco. Já passou por aqui?

- Passou agorinha. Deve estar no Eufrasio Barbosa. Corre que vocês pegam ele na primeira parada.

- Vamos lá filho! Quero ver se esse futebol está dando resultado.

Carreira! Papai é meio barrigudo, mas ele sempre corre na Jaqueira. Eu que não vou dizer que estou ficando cansado. Para quando for no parque ele ficar me desafiando. "Quero ver se você consegue fazer cooper por um quilômetro sem parar". Eu gosto de correr rápido e quando canso continuo andando. E daí?!

Por que os blocos não saem aqui embaixo. Olinda tem dezenas de ruas largas e arborizadas, mas elas ficam vazias enquanto lá em cima é o maior aperto. Aquele cheiro de xixi, gente suada roçando no nosso corpo e imagina para uma criança de 11 anos o calor e a agonia de ficar ali olhando para as bundas das pessoas. Sem conseguir ver para onde está indo.

"Eu vou esse ano pra lua, não é privilégio, foguete já tem..."

Sempre troco a letra dessa música. Mas adoro ela. Já me disseram que meu pai cantava ela para eu ir dormir quando era pequeno. Bem que era bom ir para a lua. Pelo menos não ia ter que ficar aqui e aguentar os adultos que querem me fazer gostar do Carnaval. Nem todo mundo gosta de bagunça.

Papai acha que essa orquestra é a do Eu acho é pouco. Até parece que dá para reconhecer pela música, como se só esse bloco tivesse um saxofone. Ele pode entender muito de jazz, mas aqui em Olinda durante o Carnaval para cada rua tem uns três blocos sempre tocando os mesmos frevos.

Capaz dele estar certo mesmo, tem um monte de gente de vermelho e amarelo perto daquela esquina. Essas cores eu me lembro. Adoro a camisa que minha irmã me deu. Tem os nomes de um bocado de gente conhecida. Alguns amigos do meu pai e da minha mãe.

Mas acho que não. O bloco deve ter passado por aqui, mas agora está tocando é samba. Isso sim é Carnaval. Deve ser uma escola de samba muito boa. Mas todo mundo está com as cores do bloco, deve ter acabado e o pessoal ficou para ouvir essa bateria. Que bateria!

Papai está cheirando um negócio na camisa.

- Vamos filho que é o Eu acho é pouco mesmo. Toma aqui para você. Mas só cheira pelo nariz.

Eita que perfume delicioso. Deixa a gente leve. Com esse negócio eu ganho fácil os cem metros rasos das Olimpíadas de Barcelona. E olha que eu só vou ter 14 anos. Estou ouvindo uns sininhos nos meus ouvidos. Devo estar ficando bêbado de tanto tomar gole da cerveja das pessoas.

Que menina linda sambando. Poxa, ela está aqui sozinha. Acho que ela deve ter minha idade. Talvez um pouco mais velha, acho que não. É muito pequenininha. Linda. Eu amo Helena e sempre vou amar. Mas nunca tinha visto uma Maria tão bonita.

Como samba bonito. Tem uns cachinhos de princesa no cabelo. Um sorriso corajoso de segurança. Fico sonhando e imaginando em fazer dela a minha namorada. Queria tanto ter coragem para falar com ela. Mas essa minha timidez...

Está ficando na cara. Não consigo tirar os olhos dessa menina. Também ela tão branquinha, sambando no meio desses negros enormes. Acho que todo mundo está olhando para ela. Ou será que só sou eu? Vou tentar virar meu olho para outro canto.

O bêbado e a equilibrista. Nome engraçado desse bar e tem uns desenhos super bonitos. Queria mesmo um amendoim ou uma batata frita, essa corridinha me deixou com fome. Mas lá vem Graça com um sarapatel.

- Quero não. Não gosto.

- E uma tapioca?

- Tá bom...

Nunca tinha visto uma tapioca tão grande. Acho que essa mulher errou na quantidade de coco e queijo. Não dá nem para fechar os dois lados. Bom para mim, estava morrendo de fome mesmo. Quase não aguento esperar ela fazer. Eita, não tinha nem notado que parou a batucada.

- Pai quero ir no banheiro.

- Faz ali mesmo na árvore.

Estou morrendo de vontade. Mas não aguento quando meu pai me diz isso. Será que ele não encherga que por isso fica o maior cheiro ruim na cidade? Por aqui deve ter algum banheiro. Vou por ali. Eita, está ficando escuro. Poxa, alguém devia ter vindo comigo. Vou voltar.

Ainda bem que voltei logo, a orquestra já está se organizando para sair de novo. O pessoal não ia gostar nada se perdessem o bloco por estarem me esperando. Mas vou ter que ceder e fazer xixi por aqui mesmo. Não estou me aguentando. Vou ali para trás que pelo menos ninguém vai ver minha pitoca.

"Olinda, quero cantar a ti essa canção, teus coqueirais, o teu sol, o teu mar, faz brilhar meu coração, de amor, a sonhar, salve Olinda sem igual, salve o teu Carnaval"

Essa música realmente eu adoro. Me lembro tanto de cantar no Instituto Capibaribe. Se o hino do colégio sempre me fez chorar, essa música sempre me abriu o coração. Pena que meus amigos não estão aqui para cantar comigo, próximo ano acho que vou chamar Rafa e Duda para virem comigo ver esse bloco.

Eita, parece que agora a gente vai subir para a Cidade Alta. Caramba, já tinha esquecido como estou cansado. E só estou vendo ladeira na minha frente. Quanta gente. E esse dragão ainda fica enchendo o saco. Poxa, leva esse negócio lá para frente para abrir caminho. Não custa nada.

Agora vai ter confusão. Tem duas turmas, uma quer subir e a outra quer ir por baixo. Caramba, essa ladeira é muito grande. Não estou aguentando mais. Tomara que já esteja acabando. Tomara que eu não tenha que subir. Tomara que meu pai se toque que estou morto.

- Criança sobe de ré!

Papai sobe a Ladeira da Misericórdia sambando. Eu segui o conselho dele. E ainda fui dos primeiros a chegar no Alto da Sé. Fiquei esperando lá de cima ver o bloco passar, mas onde está aquela menina tão linda. Por aqui não está. Será que foi embora? Estava mesmo tarde para ela ficar sozinha aqui por Olinda.

Agora é descida. Eu não estou nem mais sentindo minhas pernas de tão cansado. Nunca tinha visto esta vista do Recife, no horizonte. E uma menina toda sorridente. Como ela dança. Será que é a menina dos cachinhos? Fico olhando para ela, mas logo encontro o meu sonho. Cabelos lisos cor de Eu acho é pouco, pernas longas e magras, parece uma mulher, num corpo de criança.

O bloco aperta o passo. E eu perco a minha paixão. Quem será que riu para mim? Será que alguém olhou para mim?

A roda de samba volta a se formar, é a segunda parada do bloco.

- Vamos filho. Graça tem que botar teu irmão para dormir.

Logo agora que eu encontrei a menina que estava procurando. Caramba, essa menina é muito mais bonita que Helena. Um peitinho de mulher. Acho que vi o sutiã dela quando estava frevando, com a camisa toda molhada. A pele tão branquinha de anjo.

Estação final do número 1989.

Era o começo dos meus carnavais.