24.2.08

Retorno à imprensa escrita

Rio São Francisco perde R$ 80 mi com cortes no OGU

Recursos de três ministérios para transposição e revitalização do rio foram revistos

Eduardo Amorim
Especial para a Agência Nordeste

BRASÍLIA - Um dos principais projetos do Governo Lula para o Nordeste, a transposição do São Francisco não consegue começar a fluir. O Ministério Público Federal chegou a interromper as obras, que foram retomadas em dezembro de 2007 após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O debate público tem sido bastante acirrado, especialmente após as duas greves de fome em protesto contra a proposta, realizadas pelo bispo de Barra (BA), dom Luiz Flavio Cappio. Os problemas são tantos que, após o fim da CPMF, o relator do OGU, deputado federal José Pimentel (PT-CE), retirou mais de R$ 80 milhões das verbas previstas para revitalização e integração das bacias do rio na Lei Orçamentária 2008.

O relatório elaborado pelo deputado cearense deve ser votado nesta semana pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional. A proposta reduz o volume de investimentos previstos em pelo menos 12 ações dos ministérios da Integração Nacional, Saúde e Meio Ambiente. O relator é representante de uma das bancadas que mais defendem o projeto e tem sofrido tantas pressões que nem mesmo conseguiu ler o relatório na última quinta-feira, como era previsto. Por isso, se torna praticamente irreversível a redução nos investimentos para este ano.

Integrante da CMO, o deputado federal Walter Pinheiro (PT-BA) justifica o "cancelamento" dos recursos. "O cronograma da integração das bacias do São Francisco não sofre prejuízos por isso. O Governo Federal não teria condições de realizar todos os investimentos que eram previstos para 2008. Teremos apenas de aumentar as verbas previstas para os próximos anos", afirmou. Ele faz questão de elogiar o trabalho do colega, considerado "organizado e transparente", mas admite que as bancadas de Governo e de Oposição ainda vão fazer a discussão pontual de remanejamento de verbas.

A opinião do presidente Nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra, é bem diferente. "Acho que o Governo Lula tem perdido o pedal nesse assunto. Pessoalmente, não acredito que eles vão conseguir avançar as obras da transposição do São Francisco neste mandato", afirma. O líder tucano admite que tem restrições ao projeto e, além das reduções de verbas, lembra os problemas com licenças ambientais e também a falta de transparência nas licitações como obstáculos que irão dificultar o fluxo das obras de integração das bacias.

As ações que tiveram recursos subtraídos no relatório de José Pimentel dizem respeito tanto às obras de revitalização como às da transposição das águas em si. Os maiores cortes foram justamente no órgão gestor do projeto, que é o ministério da Integração Nacional. Foram "cancelados" R$ 23,2 milhões previstos para as obras do Eixo Leste, primeiro canal a ser implementado. Também foram cortadas verbas para ações que têm como objetivo a revitalização do rio: R$ 19, 2 milhões iriam para implantação de esgotamento sanitário, R$ 7 milhões para controle e recuperação de processos erosivos, R$ 1,1 milhão para sistemas públicos de coleta de lixo, R$ 594.000 para melhoria da hidrovia do São Francisco no trecho Hiboritama/Juazeiro e R$ 158.000 para obras de revitalização do rio.

Somente nestas seis ações, o ministro Geddel Vieira Lima, que a oposição acusa de ter sido crítico do projeto e hoje ser seu maior defensor, deixará de receber R$ 51 milhões. Mas as perdas do projeto não param no Ministério da Integração Nacional. Meio Ambiente teve cortes da ordem de R$ 1,46 milhão, que iriam para preservação e recuperação da bacia do São Francisco. E a Saúde foi o setor que teve os "cancelamentos" percentualmente mais altos: foram mais de R$ 19 milhões, que reduziram a disponibilidade em 2008 para R$ 28 milhões.

As ações mais afetadas no Ministério da Saúde foram as duas relativas a fornecimento de água para municípios e comunidades rurais às margens do São Francisco (Água para Todos), que perderam R$ 16,85 milhões. As ações relativas aos sistemas públicos de abastecimento de água (R$ 6,47 milhões), esgotamento sanitário (R$ 1,58 milhão) e à coleta de lixo (R$ 366.445,00) também sofreram cortes.Em recente debate no Senado Federal, o pesquisador da Articulação do Semi-árido (Asa Brasil), Luciano Silveira, defendeu as 530 obras propostas pelo Atlas Nordeste, consideradas "mais viáveis economicamente que as obras de transposição e que levará água para quem realmente precisa".

No entanto, os cortes atingiram até mesmo obras consideradas essenciais pelos críticos da integração de bacias como vem sendo implementada pelo Governo Federal.Ambientalistas ressaltam a importância do São Francisco e criticam a falta de diálogo para implantação deste projeto. Com uma extensão de 2.863 mil quilômetros, a bacia do rio se divide em 32 sub-bacias e 168 afluentes, sendo 99 rios perenes e 69 intermitentes. Representa dois terços da disponibilidade de água doce do Nordeste e percorre biomas como o Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e a Zona Costeira. Mais de 500 municípios estão sob sua influência, sendo que 101 ficam nas proximidades do rio.

As obras da transposição do São Francisco começaram em agosto de 2007, estão sendo executadas pelo 2º e 3º Batalhões de Engenharia de Construção do Exército e são uma das prioridades do Plano de Aceleração do Crescimento.

Durante entrevista coletiva, José Pimentel afirmou que em seu relatório não haviam sido cortados recursos do PAC. Através de sua assessoria, justificou que os recursos "cancelados" nas obras da transposição foram alocados em outras ações do programa, mas não relacionou os projetos que teriam recebido aporte. "O valor total no Orçamento para o Nordeste é de R$ 29,9 bilhões, sendo R$ 8,8 bilhões destinados a investimentos. A Região é a que recebeu maior volume para investimentos. Em segundo lugar vem o Sudeste, com R$ 6,07 bilhões", acrescentou.

Novo líder do DEM na Câmara dos Deputados, Antônio Carlos Magalhães Neto, achou grande o volume de recursos cortados para a transposição e acredita que o Governo Federal terá dificuldade para executar todas as ações, "os cortes são sinal de que está havendo problemas com as obras. Ficamos preocupados, pois existe uma tradição de grandes investimentos estarem mais concentrados no Sul e Sudeste e o Nordeste demanda mais recursos, especialmente para obras que atinjam as localidades mais carentes da Região".

O relator refuta a afirmação do líder dos Democratas: "Isto (da prioridade ao Sul e Sudeste) vigorou até 2002. Atualmente, não procede mais. O exemplo maior é a atualização dos recursos para a saúde na Região Norte para média e alta complexidade, tornando o investimento superior a R$ 102,00 por habitante. Além disso, já demonstramos o grande volume de investimentos para a Região e a manutenção das obras estruturantes".

Os oposicionistas afirmam que o relator até agora só negociou com a base governista e que não tiveram oportunidade de colocar suas opiniões sobre o relatório. A verdade é que o orçamento só deve ser aprovado pelo Congresso Nacional em março, pois Pimentel ainda atende diversas reivindicações de parlamentares de todas os estados.

O senador Sérgio Guerra admite a necessidade de cortes após o fim da CPMF, mas ressalta que as reduções de verbas em obras estruturantes precisam ser analisadas em seu mérito."O presidente Lula fez ao Nordeste promessas muito grandes, entre elas a de apoiar o projeto de siderurgia no Ceará, a de sustentar a definição de uma refinaria por Pernambuco, a de construir a Ferrovia Transnordestina, a de duplicar a BR-101 e a de efetivar a transposição das águas do Rio São Francisco. Todas essas promessas estão, sem exceção, prejudicadas; umas mais, outras menos", complementa o senador, ressaltando que o Governo Federal terá dificuldades para realizar tudo que tem planejado.

José Pimentel afirma ter tido um cuidado especial para atender o Nordeste, mantendo toda a programação que veio na proposta original e acrescentando recursos para a saúde, em especial, para a média e alta complexidade. "Também atendemos às emendas das bancadas estaduais, ampliando os recursos para todos os estados. Os cortes necessários foram realizados nas programações nacionais e não nos valores destinados aos estados. Cortamos, por exemplo, R$ 6,84 bilhões no custeio da máquina pública. Mas também tivemos o cuidado de não tirar recursos da Saúde, Educação e Segurança Pública".

O rio continua fluindo. Não tão limpo como os nordestinos gostariam. Enquanto isso, seguem as obras, gerando esperanças para empresários ávidos por uma nova área para a agricultura irrigada e sertanejos que sonham com água limpa em suas casas e propriedades. As críticas e discussões continuam, como acontece com tudo que é realmente importante. Mas fica a dúvida de quando os investimentos na integração das bacias do São Francisco começarão realmente a fluir com rapidez. Em 2025, diz o site do Ministério da Integração, deverá estar assegurada a oferta de água a cerca de 12 milhões de habitantes de pequenas, médias e grandes cidades da região semi-árida dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Até lá, com certeza, muita água tem que rolar.

Nenhum comentário: