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A história de Marina é um patrimônio do país e de nosso partido. A vida política, porém, é plena de armadilhas
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O VEREADOR carioca Alfredo Sirkis, dirigente do Partido Verde, começou o artigo nesta página do dia 9 de agosto ("A hipótese Marina") afirmando a legitimidade da causa ambientalista e da eventual candidatura presidencial pelo PV da senadora Marina Silva, que anunciou seu desligamento do PT na semana passada. São colocações com as quais estamos de pleno acordo. Mas, como tudo na política, devemos sempre averiguar os interesses que animam seus agentes.
Não paira nenhuma dúvida sobre o caráter, a biografia e os compromissos da senadora Marina Silva, companheira de tantas lutas e trincheiras. Senadora acriana, eleita pelo PT, construtora de nosso programa ambiental e ministra do governo Lula durante cinco anos.
A história de Marina é um patrimônio do país e de nosso partido. Ao lado de bravos companheiros como Chico Mendes, Jorge e Tião Viana, entre tantos outros, dedicou o melhor de sua vida para defender os povos da floresta e a causa ambientalista.
Cabocla, seringueira, Marina é o sal da terra. Seu papel nas batalhas pela emancipação de nossa gente lhe garante o direito de disputar qualquer função pública em nosso país.
A vida política, porém, é plena de armadilhas. Até os mais nobres e valorosos militantes podem ser arrastados a situações com as quais, no futuro, não concordem ideologicamente.
Os feitos recentes do PV no Rio, liderado por Sirkis, por exemplo, são bastante reveladores: o partido integrou todas as gestões do prefeito César Maia e contou com o apoio do DEM a Fernando Gabeira no segundo turno da eleição de 2008.
Essa conduta é partilhada pelo PV paulista, que faz parte da base de sustentação dos governos Serra e Kassab. Enfim, os setores do Partido Verde liderados por Sirkis e Gabeira não são uma voz progressista em busca de uma alternativa para aprofundar o processo de mudanças iniciado no Brasil em 2002, mas representantes minoritários do bloco conservador que dá tratos à bola para achar saída diante da desidratação político-ideológica da coalizão demo-tucana, à qual pertence com galhardia.
Analisemos os argumentos acerca da possível candidatura presidencial de Marina Silva. Sirkis apresenta essa hipótese como uma alternativa à "compulsória aliança das duas vertentes da social-democracia com as oligarquias políticas na busca da governabilidade", referindo-se a uma suposta e nefasta consequência da disputa entre PT e PSDB.
E vai além, ressaltando que "Marina é bem talhada para promover uma nova governabilidade (...) que, enfim, supere essa polarização bizarra". O vereador carioca redesenha a realidade, possivelmente para pavimentar a terceira via que propõe. O PSDB fez uma opção, há quase 15 anos, por ser o partido das elites financeiras, quando a transição conservadora entrou em colapso após o impeachment de Collor.
A velha direita, desgastada pela longa ditadura militar, não era mais capaz de protagonizar a engenharia do Estado neoliberal.
Esse foi o vácuo preenchido pelos tucanos, que se aliaram às velhas oligarquias do PFL-DEM para levar a cabo um programa de privatizações e desregulamentações que desmontou a economia do país e colocou em xeque a soberania nacional. Esse foi o papel exercido por FHC, cujo custo social o levou à derrocada em 2002.
O PT foi a vanguarda da mobilização contra esse programa. Quando o presidente Lula assumiu, mesmo em condições políticas precárias, pois minoritário no Congresso e às voltas com uma herança maldita, travou o programa tucano-liberal, interrompeu as privatizações e deu início à reconstrução do Estado como condutor de uma economia baseada na produção, no mercado interno e na distribuição de renda.
São, portanto, dois projetos antagônicos, inconciliáveis, cuja contraposição só pode ser considerada "bizarra" se forem outros os interesses que não o retrato da realidade. Muitos arautos conservadores se deram conta de que, no caso de não ser superada ou esmaecida a polarização entre os dois projetos, tudo indica que o condomínio PSDB-PFL terá ralas chances em 2010, naufragando outra vez com seu velho programa privatista.
Uma das possibilidades para tentar essa superação passou a ser a construção de uma alternativa que apresente novo discurso e nova imagem que tentem sangrar o bloco popular liderado pelo presidente Lula e pelo PT.
Esse é o esforço ao qual aparentemente se filiam setores do PV, em manobra que busca atrair os anseios legítimos e as contrariedades respeitáveis da companheira Marina Silva com a execução da agenda ambiental, que ela tanto ajudou a construir.
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JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA, 63, é advogado. Foi ministro-chefe da Casa Civil (governo Lula) e presidente do PT. Teve seu mandato de deputado federal pelo PT-SP cassado em 2005.
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