ARTIGO
Nasci em 52, mas estive na final de 50
Publicado em 29.11.2005 no Jornal do Commércio do Recife
ANTONIO AZEVEDO
Finalmente, sei o que sentiram os 200.000 brasileiros que estavam no Maracanã, em 1950. Vivo no Recife há cinco anos e aqui redescobri o ambiente de futebol que vivi em São Paulo nos anos 60, e como bom santista não tenho outro time a não ser o meu. Entretanto, pelo ambiente familiar que reina nas ruas e nos estádios daqui, vou freqüentemente aos jogos dos times locais. No sábado optei pelo jogo dos Aflitos. Provavelmente eu era o único entre os 21.950 torcedores do Náutico que não vestia a camisa alvirrubra, os outros 50 vestiam a do Grêmio. Sem entrar em maiores detalhes da partida, conhecidos por todos, eis o que presenciei: durante os 25 intermináveis minutos de paralisação: os torcedores rezavam, andavam de um lado para o outro, sentavam, levantavam e vibravam a cada nova expulsão. Eu torcia para que houvesse mais uma e acabasse o drama, sim, o drama, pois via os jogadores do Náutico se portando como os torcedores e temia pelo desfecho, pois o técnico, como todos lá presentes, também sem controlar as suas emoções, em nenhum momento reuniu a equipe e montou uma estratégia para os 10 minutos restantes, para usar com a vantagem de quatro jogadores.
De repente, pegaram a minha mão esquerda, era um menino de nove anos, que me disse que daria sorte. Quase simultaneamente um senhor fez o mesmo com a minha mão direita, a corrente espalhou-se pelo estádio, e quando olhei para a área do Náutico, o zagueiro Batata, o goleiro e mais outro jogador estavam ajoelhados e também de mãos dadas, rezando, quando houve a defesa do pênalti, Kuki e outros jogadores se jogaram ao chão em desespero.
Mas o time e a torcida prepararam-se psicologicamente para uma decisão naquele pênalti, esquecendo que ainda havia preciosos 10 minutos a jogar, com 11 alvirrubros contra sete gremistas. Logo a seguir, a torcida foi tomada por um sentimento de desespero, impotência e frustração jamais vista por mim em nenhuma outra situação: vi vovôs, vovós, garotos, garotas e crianças chorando copiosamente, sem saber o que fazer, vi inúmeros torcedores falando sozinhos, clamando a Deus o porquê daquilo, gente na rua, que de repente, dava meia-volta em direção ao estádio, como se fosse possível voltar o tempo, vi gente andando e sem mais nem menos, de repente, parar, sentar no meio-fio e começar a chorar, vi inúmeros amigos amparando outros em tentativas inúteis de consolo e, sem sucesso, juntavam-se num abraço sofrido e vi muitos outros alvirubros sentados e sem força para sair do estádio, pois não sabiam para onde ir e nem o que fazer...
Eu que tanto li e ouvi a respeito da comoção do Maracanã e que, na década de 60, na minha primeira visita a esse estádio sentei na arquibancada vazia e fiquei imaginando aquele fatídico dia, hoje posso afirmar: eu, que nasci em 1952, também estive naquela final de 1950 !
Antonio Azevedo é paulista
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