23.10.07

Shakespeare and Company

Andar pelas ruas de Paris e encontrar uma livraria com alma. É um sonho para qualquer viajante, que tenha algum gosto por livros. Lembro que queria dar um livro a Patrice durante toda a minha estadia na França e andando pelo Quartier Latin entrei em uma lojinha bem pequena. Perguntei pelo autor: Anthony Bourdain. A menina me trouxe o livro rindo porque o título em francês de Cozinha Confidencial é algo como O Chef Maluco (trocadilho intraduzível em sua plenitude). Mandei embrulhar para presente e tive a maior surpresa pois o lugar só tinha livros sobre comida. Fiquei ali conversando e olhando os livros e lembro até que quando saí Mateus elogiou o meu francês, que ficou esquecido naquela minha meia hora de vida.

Não cheguei na parte do meu guia de Paris que falava da Shakespeare and Company. Uma livraria cheia de autores residentes, poetas não-publicados e que nem aceitava cartão de crédito. Tudo isso, a poucos metros da Sacre Couer. Muito perfeita a imagem. Gosto de imaginar as teias de aranha por trás das estantes. O velho dono meio rabugente com saudade de sua filha e esperando preencher o seu vazio a cada novo visitante que lhe bate a porta pedindo abrigo. Sempre uma linda menina no caixa, para deixar qualquer um apaixonado. E um ou dois caras tentando mostrar que têm organização e podem deixar o lugar até mais organizado do que se o próprio George ainda estivesse tomando conta de toda a loja.

Olhando bem a foto da capa do livro que acabei de ler, fico imaginando que passei na frente daquele lugar. Ou estaria só sendo enganado pela imagem dos livros em pequenas mesas expostos no meio da calçada? Bem, fico feliz que de qualquer maneira eu não fui mais um turista bobo que passou ali para levar para casa algumas imagens digitais. Pode não ter sido muito poético entrar no bar ao lado e tomar uma cerveja com todas as francesas do local dando em cima da gente, para logo depois todas nos abandonarem. E finalmente notarmos que estávamos sendo confundidos com um casal gay. E que estávamos inadvertidamente em um bar de strip masculino. Mas que foi divertido isso com certeza nem Mateus vai negar.

O livro é uma imagem singela dessa livraria no início dos anos 90. Jeremy Mercer viveu ali por alguns meses, enquanto a Shakespeare and Company ainda tentava se definir entre o que tinha sido e o que viria a ser. Paris já estava totalmente tomada pela invasão de turistas. Os jovens se aproximavam dos velhos. As vezes até aprendiam alguma coisa e em troca acabavam abrindo algumas portas também. As meninas se aproximavam dos caras, ou mesmo de outras garotas se achassem mais interessante. A maioria dos escritores pouco fazia para sair dos cadernos escritos ou das páginas em branco e os que conseguiam publicar algo provavelmente pulavam fora daquele agitação. Mas ali ainda se tentava fazer algo mais longo e duradouro que um vídeo de telefone celular.

Agora me lembrei do ritual do meu pai. Recife também já teve uma livraria e até loja de disco cheias de charme. Meu programa de sábado era passear pela Sete de Setembro. Lembro de ficar ouvindo sem entender nada as discussões sobre Chet Baker, Miles Davis, Dizzie Gillespie, Coltrane e cia. Saudade. Dizem que essa palavra também é intraduzível?

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