25.3.08

Brasília ainda encanta os nordestinos

Eduardo Amorim
Agência Nordeste


O Palhaço Plim-Plim saiu de Carpina em seu ônibus com toda a família, em novembro de 2007. Em 10 de dezembro acampou em frente à Funarte e começou a fazer espetáculos no seu mini-circo popular. No dia de Natal, ganhou de presente a ordem para baixar a lona. Ficou estacionado ali até conseguir novamente um espaço para se apresentar, desde 5 de março está no movimentado Parque da Cidade, onde espera só sair para levar sua "lata-velha" para o programa de Luciano Huck. "Passei fome e não comi Gogó de Ouro e Costa Nua. Agora que estou em Brasília elas são um símbolo da nossa resistência", diz ele, se referindo ao galo e a galinha que acompanham sua família pela estrada.

Mestre Danoninho tem uma história bem mais curta. O capoeirista saiu de Jaboatão no dia 4 de março. Sonhava em pedir ao presidente Lula apoio para construir uma academia de capoeira. Foram 13 dias pedalando pelas estradas de Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Goiás, até chegar no Distrito Federal. Não teve de trocar nem um pneu e só diz ter tido dificuldades por conta do sol e para dormir, pois nem sempre era fácil encontrar um posto de gasolina para encostar a bicicleta. Em frente ao Palácio do Planalto perdeu as ilusões, mesmo assim faz questão de lembrar que os guardas lhe ajudaram dando comida e alguma ajuda financeira. Ele volta para casa neste fim de semana, sem ter conseguido falar com o seu conterrâneo mais poderoso.

Plim-Plim veio pelo Sertão para fugir da Polícia Rodoviária Federal. Danoninho foi até a Bahia pelo litoral, para depois de Feira de Santana entrar para o centro do País. As estradas das duas histórias se cruzam. Pela proximidade das cidades que os dois deixaram. E na falta de oportunidades de empregos do interior nordestino. Pelo sonho carregado de suor e desejos de ganhar a vida com dignidade. E no preconceito que enfrentam ou tiveram de enfrentar circenses e capoeiristas para exercer suas atividades.

Se cruzam também com as vidas de milhares de nordestinos que deixaram suas famílias para trás e vieram construir a Capital Federal. Dos procuradores aos mais simples concurseiros, que saem todos os meses recém formados de grandes e médias cidades.
Brasília continua sendo o sonho de um grande contingente de nordestinos, que se inspiram naqueles primeiros homens que vieram e se tornaram pedreiros, carpinteiros, encanadores e construíram os prédios que Óscar Nyemeier projetou.

Hoje, Brasília tem a segunda maior população de nordestinos fora da região, só perdendo para São Paulo. O primeiro fluxo veio antes mesmo da inauguração realizada por Juscelino Kubistchek. Os "candangos" vinham de todo o Brasil, mas a maior população com certeza foi de gente do Nordeste. Formaram-se cidades inteiras de pessoas vindas de diferentes estados, que se encontram ainda hoje em locais como a feira do Guará, para comer carne de sol, queijo de coalho, tapioca e levar uma manteiga de garrafa para casa.

O Governo do Distrito Federal não tem números atuais sobre o fluxo de nordestinos. Acredita apenas que, hoje, a maioria dos que ainda vêm morar aqui passou em concurso público ou pretende fazer provas para um dos muitos concursos que têm sido realizados nos últimos anos. A história desses dois nordestinos, um capoeirista e o outro palhaço e dono de circo ilustra muito bem a esperança e as dificuldades que nossos conterrâneos vislumbram ao chegar em Brasília nos dias de hoje.

Plim-Plim veio com a família toda

José Carlos Santos Silva, o Palhaço Plim-Plim, chegou a ter um programa na Rádio Alternativa de Carpina. A Hora da Fuleiragem ia ao ar às 5h da manhã, abrindo o microfone para todos os problemas da comunidade. Mas a alma de circense bateu mais forte e ano passado ele desarmou a lona e veio para Brasília, tentar regularizar o seu ônibus que, além de velho e enferrujado, está com três anos do seguro obrigatório atrasado.

Ele veio com a esposa, Lucicleide Oliveira, que é também cozinheira, recepcionista e responsável pelo som da trupe circense. Com o cantor e performer Daniel Rocha, o John Lennon de Carpina. Além de sua filha, Carla Vitória e da enteada Mikaela Oliveira, que já começam a se apresentar no Menor Circo do Mundo, como Plim-Plim gosta de chamar o seu espetáculo. O sonho de todos é chamar a atenção do apresentador Luciano Huck, para ter o ônibus reformado no quadro Lata-velha.

Por enquanto, vão se virando com apresentações que custam R$3. "A concorrência é dura, pois Marcos Frota está estacionado logo ali no Mané Garrincha", conta Plim-Plim, tranquilo pois sua audiência é formada basicamente por gente que teria dificuldade para pagar a entrada de R$20 do vizinho famoso. Muitos deles também nordestinos, moradores da Ceilândia, Taguatinga e outras cidades satélites. Ele faz apresentações curtas na lona aberta, para chamar atenção dos frequentadores do Parque da Cidade e quando está cheio de gente convida todos a entrarem para debaixo da lona, onde entre arquibancada de madeira e cadeiras desmontáveis há vagas para 50 pessoas.

Plim-Plim fez apenas três paradas no trajeto entre Jaboatão e Brasília. Petrolandia (PE), Coité (BA) e Vila Boa (GO). Nesses lugares montou a lona e passou entre três e quatro dias se apresentando para juntar dinheiro e continuar a viagem. "Na Bahia, tive tratamento VIP e pude montar o circo em frente ao Mercado Público", conta, fazendo questão de lembrar que a cidade em que montou seu espetáculo abriga o Museu do Palhaço.

Ele não se queixa de sua vida em Brasília. Conseguiu da Secretaria de Cultura a liberação da taxa de R$500 que teria de pagar para estacionar no Parque da Cidade e está garantido ali até o dia 5 de abril.

Antes disso, espera colocar as duas meninas para estudar em uma escola pública de Brasília e irá participar do Fórum Nacional do Circo Brasileiro. Organizado pelo deputado federal Paulo Rubem (PDT-PE), o evento vai se realizar no próximo dia 27 de março e terá como temas: Educação para as famílias circenses, Espaço público para os circos brasileiros, Os animais nos circos e, a pedido do Palhaço Plim-Plim, Por que Carpina proíbe o circo?

"Quisemos dar um apoio a esse batalhador", explica o presidente da Subcomissão de Cultura da Câmara dos Deputados, que abriu espaço para o lançamento do livro "O Palhaço do Circo Quadrado", que será realizado durante o Fórum, na Câmara dos Deputados. Escrito por José Carlos e pelo escritor Carlos Neves, do Museu do Palhaço (BA), a obra conta os 30 dias em que o Palhaço Plim-Plim ficou preso no Cotel por conta de uma prestação de contas que ele demorou a fazer à Funarte.

Livre da acusação, Plim-Plim chegou a voltar à penitenciária pernambucana para se apresentar em um Dia das Crianças. "Só sabe o que é sofrimento quem vive", recorda o palhaço-escritor.

Danoninho queria falar com Lula

Edson Ardelino chegou a ser presidente da Associação dos Capoeiristas de Jaboatão dos Guararapes. Integrante da Associação Rabo de Arraia, Mestre Danoninho é bastante conhecido entre os lutadores pernambucanos. Depois que sua mãe mudou-se com a filha dele para Camaçari, na Bahia, resolveu tentar a sorte na Capital Federal. "Eu queria contar minha história para o presidente Lula. Pedir para que ele me ajudasse a montar minha Academia. Mas os guardas disseram que eu ia ficar esperando para sempre e não ia conseguir falar com ele", explica o jaboatonense, que em uma semana decidiu voltar para seu Estado.

Sua viagem começou no último dia 4. Antes disso, Danoninho gastou cerca de R$300 para equipar sua única companheira de estrada. Uma bicicleta usada de uma marca tradicional. Saiu de casa com R$250 no bolso e chegou a ajudar um outro viajante no trajeto, pagando uma passagem para um baiano entre as cidades de Ibutirana e Luís Eduardo Magalhães. "Ele não estava conseguindo pegar carona, então paguei os R$23 da passagem", conta, com a maior naturalidade.

Contando com a resistência de atleta e a sorte de não ter estourado nem mesmo um pneu no trajeto, Danoninho chegou em 13 dias em Brasília. Saiu de Jaboatão pela BR 101, dormiu no Posto da Polícia Rodoviária Federal no limite entre Pernambuco e Alagoas na primeira noite. Depois, passou por São Miguel dos Campos (AL), Propriá (SE), Estância (SE), Alagoinhas (BA), Santo Estêvão (BA), Seabra (BA), Ibutirana (BA), Luís Eduardo Magalhães (BA), Alvorada do Norte (GO), Vila Boa (GO), Formosa (GO) e finalmente Brasília.

Pedalou em média 200 quilômetros por dia, fazendo no total um trajeto de cerca de 2.600 quilômetros. A única coisa que teve de trocar na bicicleta foram duas sapatas de freio. Na estrada viu um acidente com morte na Bahia e chegou a fugir de um grupo de quatro possíveis assaltantes. "Eles pediram para eu parar, mas eu vinha em velocidade e consegui passar", explica o capoeirista.

Depois de uma semana em Brasília, Edson desistiu do sonho de falar com o presidente Lula. Conseguiu a passagem de volta com o apoio de um deputado federal e deve retornar a Jaboatão dos Guararapes ainda nesta semana. "Se puder eu faço a viagem novamente de bicicleta, mas só se for com patrocínio", diz ele, que quer voltar para poder conhecer melhor Brasília.

Esteve no Palácio do Planalto, na Praça dos Três Poderes, chegou a entrar no Congresso Nacional, mas queria ter tido mais tranquilidade para curtir esses lugares. Na Capital Federal, ele se sustentou com ajuda de pessoas que se sensibilizavam com sua história e passava os dias em frente ao Memorial JK, um dos pontos turísticos mais movimentados de Brasília. Antes de voltar, Mestre Danoninho enviou uma carta para a produção do Programa do Gugu, contando o seu drama e pedindo apoio para montar sua Academia de Capoeira. A luta continua.

Um comentário:

Anônimo disse...

Eduardo, muito bem feita esta sua matéria...meu nome é Evandro, e estou sempre próximo ao Palhaço Plim-Plim, acompanhando sua história aqui em Brasília. Olha, ele estará lançando, oficialmente para o público, o livro "O Palhaço do Circo Quadrado" no espaço de eventos CALDO FINO no dia 05 de abril à partir de 20:00 h. O CALDO FINO fica situado na 409 Norte ( Residencial )...acho que seria um bom momento para outra matéria sua...um abraço, e parabéns pela matéria!!!