24.4.09

Gêmeos e Xangô



Adoro minha profissão. Gosto de saber os esquemas dos parlamentares para tirar um pouquinho mais de glicose da cota de passagens, que eles aprovaram para si próprios e suas esposas. De perceber quando uma reportagem foi propositalmente distorcida para que os agricultores do MST pareçam tão violentos quanto os capangas que atiram em homens que correm desesperadamente sem direção. Ou mesmo de notar a diferença que existe entre Raul Henry pagar a vinda de Hugo Acero e Luciana Genro a viagem de Protógenes Queiroz e de quem paga uma viagem para o neto ir para a Disney. Mas isso qualquer um com um pouco de acesso às informações e mais de um quilo de cérebro é capaz de discernir. Então, realmente fico pensando que devia ter percebido que ser cozinheiro podia ser no mínimo tão ruim financeiramente e no máximo muito mais prazeroso do que o meu ofício atual.

Gosto do Recife. Meu sábado ideal dificilmente vai ser alguma coisa que não seja ir para uma praia de Pernambuco. Mergulhar em Porto de Galinhas como fazíamos antes de Marta casar com Fernando, ou como fiz mês passado com Chico. Levar Graça para comer um sarapatel em Boa Viagem, pois só vindo direto de Paris a pessoa tem coragem de comer sangue coagulado cozinhado por uma desconhecida. Perseguir uma menina em seu biquini novo de lurex para depois ficar mergulhando feito criança naqueles barcos que ficam ancorados no fundo lá em Calhetas. Ou mesmo fazer um churrasco que dura 36 horas na casa de algum conhecido em um condomínio de Maria Farinha sem chegar muito perto da areia da praia, mas sabendo que ela está ali há menos de 200 passos. Só que existe o domingo para a gente ter saudade do pico de água gelada do Pina de Copacabana e das meninas lindíssimas de Ipanema.

As vezes esqueço da minha sede de Justiça. Daquele ódio que toma conta de mim quando sinto que as coisas estão erradas. Uma sensação tão forte que simplesmente me faz disconhecer o presente, tornando a vida apenas o futuro e o passado daqueles instantes. Momentos de fúria e terror, mas também de expressão de homem/adolescente/criança que fui e carrego dentro de mim. Acabei me moldando, mesmo acreditando piamente que cada um tem um defeito diferente para na soma fazermos um conjunto menos careta. No mínimo sei que carrego dentro de mim essa chama e não deixo ela se apagar.

Eu tive um sonho ruim e acordei sorrindo.

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