31.8.04

Mais uma passagem

Depois que eu passei a acreditar ela nunca mais repetiu. Mas Inalda toda vez defendia a importância dos ritos de passagem. Enterro. Missa. Reunião. Aniversário.

Para quem viu o pai morrer de repente como eu é muito fácil perceber isso. De vez em quando me lembro de um abraço que recebi na missa de sétimo dia. De Graça, mais sem saber o que fazer do que todos os filhos de papai, me dizendo para entender o jeito de cada um e me pagando uma Coca-cola para eu não ficar com raiva dos políticos que apareceram no dia do velório ou das crianças que brincavam no cemitério.

Quando foram levar o caixão me perguntaram se eu queria segurar. Eu disse que não e me arrependi imediatamente. Toda vez que vou a um enterro sinto um pouco de falta desse momento que não vivi. Sei lá, talvez seja demais exigir que tivessem me dito: Vai ali carregar o teu pai pela primeira e última vez. Mas também acho difícil para uma criança de onze anos saber dar a resposta certa a uma coisa dessas.

Não fui para o enterro de Dona Raquel. Mas Duda me contou que alguém pediu a ele que carregasse o caixão. Toda vez que ele me conta acho legal. Olha que já foram umas três vezes. Na verdade me sinto até representado, porque sei que as pessoas que estavam ali tiveram uma relação com aquele colégio, aquela senhora e aquela história, que se encerraram (ou deram lugar a outra coisa).

Quando morre uma pessoa muito de repente, como foi meu pai, é ainda mais importante que se tenha gente a quem se possa recorrer. Para que se possa ficar calado, chorar ao lado ou resolver alguma complicação. O desejo de que todos que perdem alguém querido de verdade tenham o apoio e o carinho dos próximos como a gente teve naquela época.

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